Um dos filmes da minha vida é «The Right Stuff», que Philip Kaufman realizou no ano de nascimento da minha filha (1983). Nele evocavam-se os primeiros anos da conquista espacial norte-americana até ao lançamento do Programa Apollo, de acordo com um livro de Tom Wolfe, que, infelizmente, não li.
Ainda hoje, quando ouço o Concerto para Violino e Orquestra de Tchaikovsky logo associo o seu «Allegro» ao momento em que Shepard, Glenn, e os outros cinco astronautas da recém-criada Nasa avançam para a sua apresentação pública já com os fatos, que envergarão quando enviadas para a órbita terrestre. Porque há algo de epopeico nessa gesta dos tempos modernos.
Mas «Mojave Epiphanie», lançado há quase um ano pelas Éditions Inculte permite ir mais atrás e conhecer o esquecido contributo de um grupo de visionários que, nos anos 30, alimentou o sonho utópico de tornar possível a conquista espacial. Era um grupo de amigos, que partilharam os anos anteriores à Segunda Guerra, quando o nazismo estava em contínua ascensão, e se separaram já muito depois de concluído o conflito, quando o macarthismo os ameaçava devido às assumidas simpatias comunistas.
Frank Malina (o terceiro na fotografia ao lado) é o protagonista do romance de Ewen Chardronnet. Cientista brilhante, especialista em zonas áridas, conseguira uma bolsa do departamento de aeronáutica do Instituto Tecnológico da Califórnia, o Caltech) em 1934, depois de concluir engenharia mecânica. Integrou-se na equipa do húngaro Theodore Van Karmen onde, segundo escreve aos pais, discutem-se “aviões, comunismo, capitalismo, termodinâmica e … aviões”.
Nessa mesma cidade de Pasadena, Malina conheceu outros jovens, que trabalhavam na fábrica de explosivos local, a Hercules Powder Company, e partilhavam com ele o mesmo entusiasmo pelos livros de Júlio Verne e de ficção científica, sobretudo quando versavam viagens espaciais. Chamavam-se John Parsons (o da direita na foto), Ed Forman (o que se encontra entre este e Malina) e Tsien-Hsue-shen.
Os primeiros ensaios com foguetes aconteceram em 31 de outubro de 1936, seguindo-se-lhes muitos outros, ora com sucesso, ora correspondendo a clamorosos fracassos, que justificava a alcunha a eles posta por alguns amigos: «o esquadrão suicida».
No final dos anos 30 eles já tinham criado a Jet Propulsion Laboratory sempre com o objetivo de virem a colaborar na exploração pacífica da conquista espacial. Não admira que, posteriormente, a empresa tenha estado na origem das célebres expedições «Voyager» orientadas para além dos confins do Sistema Solar, e mais recentemente com a «Curiosity» para a exploração de Marte. Mas já sem eles, porque, logo após a Segunda Guerra todos seriam perseguidos e substituídos pelos cientistas nazis, que os norte-americanos tinham trazido de Peenemunde.
O romance de Chardronnet procura corrigir a História, que tão injustamente os esqueceu. É que, tendo sido atores de primeira linha no esforço de guerra americano, pagaram caro a ideia de progresso e de liberdade em que sempre apostaram. O seu destino seria trágico, conhecendo uns a prisão e o exílio, como sucedeu a Tsien-Hsue-shen, que iria liderar o programa espacial chinês, ou a morte precoce de Parsons aos 37 anos quando, à falta de laboratório em condições onde prosseguisse as experiências, decidiu fazê-las em casa, sucumbindo à explosão de materiais muito perigosos.
Trata-se, pois, do desvendar de uma página desconhecida da História Contemporânea, sobre política, a ciência, a arte, a poesia, o sexo, e, até, o ocultismo e resultante de uma investigação minuciosa, capaz de a ter enriquecido com documentos inéditos.
Ao lermo-lo aprendemos algo mais sobre os nossos tempos, porque continuam a ser construídos em muitos casos pelos mesmos valores e aspirações, e quiçá por tantas outras ambiguidades.
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