Para o seu primeiro documentário a realizadora italiana tomou como lema uma frase de Walter Benjamin: “Falar da minha memória equivale a falar da dos outros”. Ou seja, se me pusesse aqui a recordar o que vivi na infância passada na Caparica ou, já em adulto, nos vinte e quatro anos em que percorri todos os oceanos em outros tantos navios mercantes, estaria a evocar reminiscências semelhantes em quem partilhou essas experiências e espaços.
Nascida a 11 de janeiro de 1979 em La Spezia, no mesmo dia em que a extrema-direita fazia um mortífero atentado em Roma, Sílvia vai retomar o seu mapa geográfico pessoal, socorrendo-se de imagens dos espaços, dos objetos e de alguns materiais de arquivo, que acabam por revelar o passado e o presente da cidade.
A primeira recordação, a mais antiga gravada na memória, era a da neve a cair e de um tanque militar a cruzar-se com o carro em que seguia com a mãe. A cidade, que ela recordava como muito bonita, era desfeada pela presença dos sinais da indústria militar aí implantada. Algo que mudou significativamente, porque a queda do muro de Berlim e o fim do serviço militar obrigatório, despovoaram-na. O antigo Arsenal onde o pai trabalhara é agora uma terra de ninguém onde as antigas máquinas ganham ferrugem.
A infância converteu-se num período propositadamente obscuro, porque cedo compreendeu o clima de guerra conjugal ali instituído entre a mãe e o pai. Este último ia denunciando um comportamento cada vez mais bizarro, que ficaria identificado psiquiatricamente como do foro da esquizofrenia. O divórcio tornara-se inevitável, Por isso, neste regresso aos espaços do seu passado, Silvia encontra a mãe ainda na casa onde nascera e o pai encerrado solitariamente num minúsculo apartamento.
Mas se, curiosamente, ela estivera dez anos sem lhe falar, é desse pai, que Sílvia acaba por mais se aproximar durante a rodagem do filme, já que a mãe distancia-se no projeto pessoal de ainda perseguir uma ideia de felicidade amorosa com um vizinho.
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