Não lia um livro de Graham Greene há mais de trinta anos. De facto, ainda andava na minha vida de marinheiro nas graças do mar, quando «O Americano Tranquilo» me veio parar às mãos para o despachar em poucas horas, tão empática era a história passada na Indochina, ainda colónia francesa ameaçada pelos guerrilheiros de Ho Chi Minh, mas com os americanos já à espreita de lhes tomarem o lugar.
Se a fruição foi agradável, pela amostra achei exagerados os comentários dos que então consideravam Greene um potencial Nobel da Literatura.
Agora, com «O Fator Humano» a opinião mantém-se: a história é interessante, bem estruturada de forma a manter o leitor preso à intriga da primeira à última página, mas, como romance de espionagem, falta-lhe aquele grão de asa de que só Le Carré se mostra capaz nos seus melhores romances.
Escrito em 1978, o livro situa-se num tempo em que a União Soviética e o regime do apartheid ainda pareciam estar de pedra e cal. O protagonista, Maurice Castle, é um funcionário dos Serviços Secretos, que se ocupa em descodificar e classificar as informações recebidas da África do Sul. Na vida privada os seus dias são pacatos, parecendo apenas preocupado em usufruir o melhor possível a família constituída por Sarah e pelo filho desta, Sam. Ora ele tinha-os salvo das garras do coronel Muller, um crápula do regime racista, que lhe matara o anterior companheiro, um militante comunista. E tinham sido precisamente os colegas a soldo da União Soviética, que o tinham conseguido fazer transitar, com a rapariga e o filho, para o Hotel Polana em Moçambique, donde o MI5 os tinha conseguido resgatar.
Dessa colaboração com os supostos inimigos ficara a obrigação moral em ajudá-los, razão porque se convertera desde então num agente duplo.
As únicas derivações por ele feitas no invariável percurso entre o emprego e a sua casa nos arrabaldes de Londres eram episódicas visitas a um alfarrabista a quem entregava as mensagens cifradas do que conseguia ir sabendo da evolução sul-africana.
Os chefes recebem, entretanto, a suspeita de um infiltrado nos serviços africanos, mas entre ele e Davis com quem partilhava o mesmo gabinete, a suspeita vai para o segundo de quem identificaram a propensão para apostas nas corridas de cavalos. Daí que muito expeditamente o Doutor Percival trate de o assassinar a coberto de uma declaração de óbito por cirrose.
Apesar de estar seguro do que arriscava, Castle ainda entrega ao seu contacto mais um documento com utilidade para o KGB, mas a partir dessa altura sabe que arrisca um destino similar ao do defunto colega. Por isso manda Sarah e Sam para casa da mãe e ativa o resgate para que sempre se preparara.
Irrepreensivelmente eficiente o KGB consegue mudá-lo para Moscovo muito rapidamente, mas daí Castle vê dificultada a probabilidade de se reencontrar com a família, porque, vingativo, o doutor Percival dá conta a Sarah de tudo fazer para impedir esse desejo do trânsfuga. Até colocando-lhe a possibilidade de a devolver a Muller.
Se há aspeto positivo no romance de Greene é a simpatia com que trata os serviços soviéticos, no afã com que cuida dos seus, enquanto, pelo contrário, os serviços de Sua Majestade revelam a falta de escrúpulos de assassinarem, mesmo com provas insuficientes, aqueles de quem suspeitam.
Essa inversão do habitual padrão maniqueísta acaba por se revelar o que «O Fator Humano» tem de mais interessante...
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