Cinco anos atrás, quando saiu para as livrarias o romance de Stephen King dedicado ao assassinato de John F. Kennedy apressei-me a comprá-lo. Fiel seguidor do escritor do Maine - embora lhe reconheça a irregularidade qualitativa do que escreve! - o tema tinha todas as condições para me entusiasmar. É que a viagem no tempo, empreendida por um professor até à época do atentado de Dallas, além de aliciante do ponto de vista ficcional, também poderia comportar alguma proposta inovadora capaz de explicar quem esteve na sua origem.
King não arrisca qualquer escolha pelas hipóteses conhecidas - ainda que fique implícita a responsabilização individual de Lee Oswald, devidamente estimulado pela CIA - mas a história de Jack Epping resultava tão bem construída, que a notícia do interesse de Jonathan Demme em levá-la ao cinema aguçou-me a curiosidade.
Afinal o realizador de «Filadélfia» desentendeu-se com o autor e desistiu do projeto. Provavelmente em boa hora, porque seria muito difícil conter a enorme profusão de vicissitudes na duração de uma longa metragem convencional.
Foi o que pensou J.J. Abrams, que a converteu numa série de oito episódios e conseguiu James Franco para a protagonizar. Estreada em fevereiro nos EUA, logo começou a ser transmitida entre nós pelo canal Fox, que a espartilhou em frequentes e insuportáveis intervalos para anúncios publicitários. Para além de a fazer prolongar para 9 episódios, que retiraram alguma coerência aos últimos.
Apesar de tais tratos de polé, a série aguentou-se por ser efetivamente de qualidade irrepreensível.
Pegando no testemunho, que o seu amigo Al Templeton já não consegue segurar por ter um cancro em fase terminal, Jake Epping entra pela “toca do coelho” e aterra no início dos anos 60 na mesma cidade onde sempre viveu: Lisbon, no Maine.
Dirigindo-se ao Texas, ele sabe ter três anos para preparar o impedimento do assassinato de Kennedy porque, segundo a teoria de Templeton, a América livrar-se-ia de todos os demónios das décadas anteriores, desde a guerra do Vietname até ao 11 de setembro. Na sua lógica, Kennedy teria podido empurrar a América para uma evolução mais progressista no seu segundo mandato.
O que cedo Epping compreende é contar com um adversário temível decidido a tudo fazer para o afastar do objetivo: o próprio passado, enquanto entidade substantiva, vai agindo nesse sentido confrontando-o com sucessivas situações de perigo quase fatal.
Epping, que se chama Amberson nesse tempo, vai corrigindo vidas alheias, que descobrira traumatizadas no presente, e apaixona-se pela bibliotecária da escola onde dá aulas para garantir o sustento. Nos tempos livres vai acompanhando o quotidiano de Oswald desde o regresso da União Soviética procurando esclarecer se é ou não o peão de uma conspiração.
No momento determinante do que será o futuro dos americanos, Epping evita a morte de Kennedy, mas não consegue impedir a de Sadie. Pior ainda, no regresso ao presente, conclui que o salvamento de Kennedy em nada melhorou a América, antes a piorando, porque descobre-a transformada num cenário distópico. Razão para voltar à Toca do Coelho e corrigir o mal que causara: no presente em que definitivamente se estabiliza, a política americana pode não satisfazê-lo, mas tem o condão de ser mais suportável do que a alternativa. E, ademais, Sadie, que reencontra já de proveta idade, confessa-lhe ter vivido relativamente feliz, mesmo descontadas todas as dificuldades por que passara.
King conclui, pois que, embora o passado possa não nos satisfazer é bem melhor deixá-lo como está. Até porque temos todo o futuro em aberto para o melhorar.
Sem comentários:
Enviar um comentário