quarta-feira, novembro 29, 2023

Duas Marias na Revolução Mexicana de 1910

 

Nunca fui um entusiasta da filmografia de Louis Malle que, começando na Nouvelle Vague, dela se afastou para um tipo de cinema mais comercial, desejoso de se fazer aceitar pela máquina de Hollywood.

Essa tentação alavancou-se há sessenta anos quando, depois do equívoco Fogo Fátuo, baseado num romance do colaboracionista Drieu de la Rochelle - em si uma opção ideológica reveladora! - decidiu ir para o México e, com a ajuda do argumentista Jean Claude Carrière, criar um argumento excessivo e caricatural, que fosse uma recriação eufórica da Revolução Mexicana de 1910.

Com muita ação tínhamos duas Marias: uma que fazia de artista de cabaré (Jeanne Moreau), a outra mais dada ao uso de explosivos (Brigitte Bardot), a ajudarem Emiliano Zapata a lançar a sua guerra contra os latifundiários e a Igreja, que era seu privilegiado suporte.

O tema merecia a simpatia da juventude parisiense dos anos 60 que, quatro anos depois, andaria a praias ao descascar as pedras das calçadas, julgando realista o impossível. Mas os propósitos militantes eram diluídos pelo tom de comédia, ainda assim interessante a esta distância, quanto mais não seja por constituir grata fruição tudo o que a Moreau então protagonizava... 

terça-feira, novembro 28, 2023

A Lua como nunca a vimos

 

Os astrofotógrafos não são cientistas: ligam os telescópios a câmaras fotográficas para conseguirem imagens esteticamente impressivas, mas que pouco interesse têm para quem as queira utilizar em trabalho sério de investigação.

De qualquer forma a imagem assinada por Andrew McCarthy resultante da composição de 180 mil fotografias colhidas na noite de 13 de novembro de 2021, em Florence no Arizona, reivindica um nível de detalhe na apresentação da Lua, que atinge uma resolução de 174 megapixéis, ou seja 80 vezes a da mais sofisticada das televisões.

Depois de ter colhido esses milhares de imagens, McCarthy fundiu-as e depurou-as das distorções apuradas durante esse processo até ter chegado ao seu resultado final.

Um astrofísico, que viu a fotografia julgou-a uma pintura extremamente realista, mas diferente do que costuma ver pelo seu telescópio. Mas McCarthy gaba-se de poder viajar pelo espaço sem os incómodos de entrar numa nave espacial. E até confessa nem ser a Lua o seu foco de interesse preferido: escolheu-a apenas por saber que o tema encontraria melhor aceitação junto dos que, habitualmente, o seguem nas redes sociais.

Enki Bilal: a nostalgia de um país que deixou de existir

 

Estamos no ano em que, na trilogia Nikopol, Enki Bilal fez regressar à Terra o desertor banido para o espaço trinta anos antes, numa cápsula, reencontrando o mesmo regime fascista, que o condenara. Iniciada em 1980 essas três obras são eloquente demonstração da estética do autor, que insere os personagens na cinzentude deprimente da arquitetura de Belgrado da infância e, particularmente, na da fortaleza Kalemegdan, considerada o berço da cidade.

Apesar da família ter sido forçada ao exílio pela escusa do pai de Enki em colaborar com o regime de Tito, ele sente ternura por esse passado, que quase ninguém considerava totalitário, porque entendia normal a existência de um poder absoluto. E até reconhece, a exemplo de Emir Kusturica, o quão desestabilizador continua a ser o sentir-se pertença de um país, que já não existe.

Visionário, Bilal identifica, antes das guerras que implodiram a antiga Jugoslávia, a sua verdadeira causa: o fanatismo religioso, que incorporou o nacionalismo identitário como sua expressão mais extrema. O Sono do Monstro é a trilogia em que essa realidade é explorada numa antevisão, que o leva a prosseguir a antevisão do futuro nas obras posteriores onde o cataclismo climático, os bugs informáticos e o maximalismo algorítmico tenderão a criar as novas distopias.

domingo, novembro 26, 2023

A estetização da Natureza

 

Foi considerada uma das fotografias do século: em 2022 a National Geographic publicou uma imagem, que mais não é do que a composição de 50 fotografias selecionadas por Stephen Wilkes das mais de duas mil colhidas durante vinte e quatro horas de um ponto de observação à beira de um charco no Parque do Serengeti.

Obviamente que os elefantes, zebras e hienas não estiveram a dessedentarem-se ao mesmo tempo. Por isso o céu tanto é de noite, mais à esquerda, como de dia claro para o lado direito. E o sol, tanto pode estar no crepúsculo matinal como no do fim da tarde.

Segundo confessou, Wilkes pretendeu mostrar quão bela é a Natureza, justificando-se todos os esforços para a preservar. Mas os mais cínicos olharão para esta visão esteticizada da vida selvagem e enquadrá-la-ão numa moda destinada a acalmar as nossas inquietações por a sabermos em perigo e nada fazermos para alterarmos-lhe os riscos de extinção. No fundo o desejo de sublimarmos uma expetativa, que nos leva a adotar este tipo de imagens para as múltiplas utilizações, que a internet nos faculta através das redes sociais...

terça-feira, novembro 21, 2023

Um grande pintor nascido em tão improvável lugar

 

Em poucos dias vi citada a Ilha de Saint Thomas nas Caraíbas como sítio onde os The Mamas and Papas foram passar uma temporada a drogarem-se, quando o psicadelismo estava no auge e onde, em 1830, nasceu o pintor Camille Pissaro.

Ambos os factos eram-me desconhecidos, quando ali estive nos finais dos anos 70, deparando com o calor húmido de uma ilha caribenha tradicional, um barco do tempo dos piratas  fundeado em frente ao porto e uma pequena capital quase sem gente nas ruas.

Sobre o pintor impressionista - que tanto influenciaria a arte da segunda metade do século XIX com as representações de Paris à chuva -, fica a noção de ter nascido numa próspera família de comerciantes, que esperava vê-lo empunhar o testemunho do bem sucedido progenitor.

Assim não sucedeu e, pior ainda, Pissarro encontrou bons motivos para um anticlericalismo ateu e um anarquismo, que sempre o norteariam ideologicamente no futuro. Bastou deparar-se com a realidade esclavagista e entender-lhe quem dela se aproveitara.

Há quem questione o que teria acontecido na estética dos seus contemporâneos se ele tivesse cedido aos ditames familiares e ficado na ilha então subordinada à coroa dinamarquesa mas será exercício fútil, porque Pissarro zarpou da ilha logo que possível e foi para Paris revolucionar a forma como a pintura refletia a realidade à sua volta.

Milton Hatoum e a história de dois irmãos

 

É daqueles escritores brasileiros, que ainda não me motivaram o interesse da descoberta, talvez por serem raras as citações a seu respeito, apesar de Dois Irmãos ter ganho o prestigiado Prémio Jabuti.

Uma reportagem a seu respeito talvez baste para procurar esse romance, quando for à biblioteca do Seixal de que me sirvo para colmatar esse tipo de falhas, muito embora me interesse bem mais o espaço geográfico onde a história decorre do que essa rivalidade entre dois gémeos de origem libanesa, que dão fundamento às dicotomias entre o Bem e o Mal, o Belo e o Feio.

De facto sempre lamentei que Manaus tenha sido cidade onde as deambulações pelos cinco continentes nunca me levaram. Nela ecoam dos tempos da exploração da borracha, o célebre teatro onde cantaram grandes nomes da ópera de então, e uma relação da população com o rio, que a modernidade veio pôr em causa, quando a expulsou em proveito das atividades portuárias.

Existe, igualmente, o encontro das águas dos rios Negro e Solimões, onde tem desiderato a rivalidade entre Yaqub e Omar, descrita por um narrador, Nael, que tudo conta quando procura as suas origens na casa onde a mãe foi empregada e assistiu à progressão de tão visceral ódio entre os filhos dos patrões. Sendo ele o espelho da dialética social, que a evolução dos tempos prefigurara.

domingo, novembro 19, 2023

Um escritor e o seu burro

 

A Ilha do Tesouro só surgiria daí a cinco anos mas, quando Robert Louis Stevenson fez um périplo pelas Cevenas em 1768 já o animava a intenção de dedicar-se à escrita a tempo inteiro, hipótese de que o pai nem queria sequer imaginar por ser outro o futuro para que predestinava o rebento. Outra razão o trazia ao maciço Central francês: um desgosto amoroso, que o predispôs para uma aventura como tantas se seguiriam, porque o gosto pelas caminhadas sempre o caracterizaram. Mesmo acompanhado por um burro como o que teve honras de surgir no título no seu diário Travels with a donkey in the Cevennes.

A chegada de Stevenson a Le Monastier-sur-Gazelle foi aparatosa: apesar de falar francês fluentemente - mesmo com forte sotaque escocês - ele era uma espécie de alien subitamente aterrado numa terra montanhosa, eivada de preconceitos e superstições. Por ali andava a lenda da besta de Gevaudan, que aborda como motivo de reflexão sobre as idiossincrasias desses habitantes, as mais das vezes desconfiados quanto à razão de ser da presença de tão estranha figura naquelas terras. Mas, embora impenitente ateu, Stevenson mostrou empatia com o misticismo de quem ali vivia à parte das mudanças que não tardariam a expressar-se na tomada da Bastilha e no derrube da monarquia. Sobretudo se eram descendentes dos protestantes, que se tinham sujeitado a tão ferozes perseguições.

Chegado a Saint-Jean-du-Gard Robert Louis Stevenson deu a viagem por concluída sem adivinhar que, dois séculos e meio depois, muitos caminhantes lhe seguem as pisadas pelos sítios em que então cirandou...

Hokusai, a busca infinita do olhar

 

Não sei quantas vistas tive do Monte Fuji, mas decerto não foram as trinta e seis criadas por Katsushika Hokusai, que teve longa vida entre 1760 e 1849, e ficou imortalizado como um dos mais relevantes artistas das estampas. depois sujeitas a entusiasmada apreciação pelos impressionistas do século XIX.

Sei que quase sempre encontrei a sagrada montanha envolta num nevoeiro, que mal deixava descortinar-lhe o perímetro e nem sequer era devido aos humores da meteorologia, porque quase sempre amarelada como costumam ser as neblinas causadas pela poluição. Um smog antipático, só raras vezes ausente, sobretudo quando era fim de semana, altura em que podia comprovar a quase perfeita simetria do foco do meu infinito olhar.

Na sua proveta existência, Hokusai pôde ver o Fuji, ora de perto, ora a maior distância, como terá acontecido quando imortalizou a onda de Kanakawa, por alguns interpretada como decorrente de um tsunami. E ele procurava, de facto, a captação do momento único em que tudo parecesse perfeito. Mesmo com expetáveis consequências para os pescadores prestes a serem engolidos pelo vagalhão.

Surgindo numa altura em que, apesar de fechada ao exterior, a economia japonesa conhecia algum esplendor, podendo a burguesia comercial dar-se ao luxo de comprar as obras dos seus pintores, Hokusai assinaria mais de trinta mil testemunhos do que era a vida dos contemporâneos. Com tal detalhe que cada um deles merece apreciação demorada tão prenhe de informações são sobre uma época, que já confirmava o distanciamento da civilização japonesa em relação a uma qualquer outra com que se possa comparar...

sexta-feira, novembro 17, 2023

Léonard de Vinci e o busto de Flora, Margarete Kreuzer, 2020

 

São muitos os documentários, que tendem a deixar os seus espectadores frustrados, porque partem de uma tese inicial, que contradiz outra, por muitos tida como irrefutável, e, depois de equacionada à luz de argumentos contraditórios, acaba por nada concluir em definitivo.

Este é só mais um exemplo: pegando num busto da deusa romana Flora, pertencente ao acervo do Museu Bode em Berlim, analisa quem terá sido o seu escultor, havendo quem se divida entre Leonardo de Vinci e Richard Cockle Lucas, artista do século XIX, que especializara-se na recriação de obras de acordo com os métodos e estética renascentista.

A polémica já data do início do século XX, quando Wilhelm Bode comprou a estátua de cera em causa para garantir a presença do grande artista italiano nas coleções imperiais de Guilherme II.

Apesar do recurso às tecnologias mais avançadas, que procuram datar o mais criteriosamente possível os materiais utilizados na obra, os especialistas continuam divididos em dois campos inconciliáveis, uns atribuindo-a ao criador da Gioconda, os outros a teimarem na sua origem britânica.

Por agora nem sequer o recurso ao carbono 14 consegue dissipar as dúvidas, que redundam afinal numa questão essencial: que importa tratar-se ou não de uma obra de Leonardo? Não basta apreciá-la independentemente de quem e do porquê de ter sido criada? Às tantas temos de reconhecer estultas muitas das polémicas, que agitam os meios culturais por mais não serem do que pretextos para os onanísticos exercícios dos seus intervenientes. 

segunda-feira, novembro 13, 2023

Os Fantasmas de Ismael, Arnaud Desplechin, 2017

 

Embora assinado por quem nunca me fez apreciar as suas obras labirínticas, este é daqueles filmes cujo elenco - Amalric, Gainsbourg, Cotillard e Garrel—bastaria para me pôr a salivar.

Há depois as referências cinéfilas e literárias - mormente a Hitchcock e a James Joyce - que dão tempero singular a uma história sobre uma mulher disposta a viver duas vezes como a Kim Novak de Vertigo. Também ela chamada Carlotta, desaparecera do radar do marido vinte e um anos atrás e, sem dizer água vai, água vem, foi viver como e com quem quis. Agora, viúva do companheiro mais recente, vem instalar-se no quotidiano do ex-marido, disposta a reaver tudo quanto deixara para trás. Sem escrúpulo quanto ao evidente egoísmo e às consequências do seu gesto.

O problema está em que Ismael já encontrara equilíbrio na relação com uma astrofísica, a única capaz de lhe dissipar os bloqueios criativos, que o impedem de concluir a produção do mais recente filme da sua lavra. O que sugere a clara identificação do realizador com o protagonista do seu filme a exemplo dos seus títulos anteriores de que este parece assumida síntese.

Se não me entusiasmou de todo, reconheço existirem nestes fantasmas de Ismael matéria bastante para equacionar questões, que pecam por excessivas em quantidade, mas parcas em substância... 

sexta-feira, novembro 10, 2023

Na Astronomia o tamanho dos planetas conta

 

Nos confins do Sistema Solar existirá o tal planeta gigante, que teria cerca de cinco vezes a massa da Terra e cuja translação duraria cerca de dez mil anos? Essa possibilidade ocupa várias equipas de astrónomos, que escalpelizam todos os indícios passíveis para a demonstrar. E o que está em causa é a provável alteração do nosso conhecimento sobre as origens do sistema solar.

Em Astronomia as distâncias  não se medem em quilómetros mas em unidades astronómicas. Entre a Terra e o Sol é a distância que define o padrão dessa unidade. Assim Júpiter fica a cinco unidades, Saturno a dez e Neptuno a trinta unidades do Sol enquanto esse superplaneta terá a sua órbita a entre as trezentas e as seiscentas unidades astronómicas, se não mesmo além. Seria esse planeta gelado o nono do sistema solar.

Nos anos noventa Plutão foi desqualificado dessa condição, cingido que foi a um dos muitos objetos celestes pertencentes à Cintura de Kuiper, situada entre as 30 e as 50 unidades astronómicas, que é uma espécie de campo de detritos existente para lá de Neptuno. Com um tamanho inferior ao da nossa Lua, Plutão não mereceria doravante o estatuto devido aos demais oito planetas do Sistema Solar.

Mais tarde a descoberta de Eris a cerca de cem unidades astronómicas, e com um tamanho semelhante ao de Plutão, confirmou a condição de planetoides de um e outro.

Em agosto de 2006 o Congresso Internacional de Astronomia, reunido em Praga, votou a desclassificação de Plutão, criando a nova categoria de planeta-anão do Sistema Solar, de que se conhecem atualmente mais oito, prosseguindo os trabalhos destinados a identificar os muitos outros presumivelmente existentes.

Quanto ao novo planeta, que será o nono do Sistema Solar, os cálculos apontam para a possibilidade de vir a ser o quinto em tamanho e parte importante do equilíbrio gravitacional, que suporta todo o conjunto planetário em que estamos integrados. Um dos melhores indícios da sua existência decorre da inclinação das órbitas dos objetos da Cintura de Kuiper, que indicia uma atração gravitacional na sua direção. Para lá dessa Cintura outro planeta-anão, Sedna, ostenta essa órbita anómala justificada matematicamente pela hipótese em equação.

Simulações feitas a partir desse tipo de anomalias, também identificadas noutros objetos, permitiram calcular o tamanho e a distância a que possa estar esse superplaneta maciço, que se pretende detetar.

Até agora encontraram-se cerca de cento e vinte novas luas de Júpiter e Saturno, diversos cometas e asteroides ou o mais distante planeta-anão conhecido - Farout. Mas o desejado novo planeta ainda não se deu a conhecer, levantando a questão: porque será tão difícil encontrá-lo? Uma das hipóteses mais consistentes tem a ver com a possibilidade de, na sua órbita elítica em torno do Sol, estar atualmente na sua zona mais distante, para lá das 600 unidades astronómicas.

Ao contrário doutros planetas situados noutros sistemas estelares - identificáveis quando passam em frente às respetivas estrelas! - não existe a mesma referência possível para o que se procura a tão grande distância e não se sabe em que zona da cúpula celeste procurar. É o clássico problema de encontrar a agulha num palheiro, porque correspondente a uma zona do céu onde é muito fraca a intensidade luminosa. Uma das estratégias atualmente utilizadas é a de buscar esse planeta nas fotografias já captadas e onde ele figure sem que tenha sido enquanto tal identificado. Mas é ainda um work in progress...

quinta-feira, novembro 09, 2023

Le grand bleu, Luc Besson, 1987

 

Foi um dos mais eloquentes exemplos da disparidade entre uma receção gelada na estreia - quando foi escolhido para a sessão de abertura do Festival de Cannes desse ano, logo merecendo críticas negativas -, e o subsequente sucesso comercial traduzido nos nove milhões de franceses, que o viram, quando foi distribuído nas salas de cinema do Hexágono.

Três décadas e meia depois dir-se-á, que nem tanto ao mar, nem tanto á terra: o filme não é grande coisa, mas também não tão mau quanto o pretenderam alguns críticos. Tudo se resume à rivalidade entre dois mergulhadores em apneia, um francês e outro italiano que, desde a infância, competem quanto a quão mais fundo conseguem chegar. A história, inspirada nessa disputa real entre Jacques Mayol e Enzo Molinari, contribuiu para dois atores, Jean-Marc Barr e Jean Reno, ganharem relativa fama. Aí sim, algo imerecida, porque se o primeiro ainda faria algumas coisas com interesse, o segundo seria um dos mais execráveis canastrões do cinema francês.

Graças a este filme o realizador Luc Besson procurou ganhar relevância internacional, mas também ele tem deixado como saldo uma sucessão de títulos pouco interessantes. Este acaba por ser o mais relevante, quanto mais não seja pela paisagem marinha da ilha de Amorgos e pela leitura ecologista ainda passível de, implicitamente, estar-lhe subjacente. 

quarta-feira, novembro 08, 2023

Only Angels Have Wings, Howard Hawks, 1939

 

Foi o filme em que pela primeira vez se pôde ver Rita Hayworth num papel importante e um dos que fizeram do ano de 1939 um dos mais interessantes na produção dos diversos estúdios de Hollywood.

Para quem gostou de ler Saint–Exupéry há ainda a abordagem das grandes aventuras aéreas dos serviços aeropostais na América Latina e dos perigos neles vivenciados ao comando de aparelhos assaz periclitantes.

Jean Arthur, que era uma das atrizes preferidas de Capra, faz de Bonnie Lee, uma artista de variedades que, concluída uma tournée, faz escala no porto de Barranca, donde partem os aviões para o outro lado dos Andes.

Quem dirige a empresa em causa é Geoff Carter, interpretado por Cary Grant, que lhe merece imediata e assolapada paixão, mas não lhe devolve tão enfático entusiasmo. Tanto mais que, sem outros pilotos disponíveis, acaba de recontratar Bat, por ele despedido alguns anos antes por ter-se salvo num aperto e deixado para trás um mecânico um mecânico, que não sobrevivera ao acidente. É como esposa deste candidato a vilão da trama, depois redimido, que vem Rita como bónus num filme onde podemos ver outros atores a desempenharem papéis secundários com espessura e talento mais substantivos do que era então costume.

Hawks fora instrutor de voo na aviação militar e conhecia bem o que pretendeu subtilmente demonstrar como sendo amizades viris, lealdade e sentido do dever. Temas antes e depois glosados na sua filmografia. 

segunda-feira, novembro 06, 2023

Ícones brasileiros

 

Num programa do canal franco-alemão ARTE reencontro dois dos grandes símbolos da cultura brasileira: Heitor Villa Lobos e Garrincha. Que muito naturalmente me interessam, o primeiro por dar à música erudita do seu país uma conotação identitária, que tem a ver com a luxuriante natureza pressentida nas suas pautas.  Em vez de replicar Bach ou Beethoven o compositor buscou a originalidade no que era especificamente brasileiro e tão enfatizado era pela ditadura de Getúlio Vargas. Embora nunca a tenha apoiado especificamente, Villa Lobos aproveitou-se do contexto favorável para concretizar um projeto criativo, que redundaria no clímax de chegar a ter quarenta mil pessoas num estádio para lhe cantar uma das obras..

Pessoalmente resgato a grata reminiscência de acordar mais cedo num domingo para, num dos saudosos Dias da Música no CCB de Mega Ferreira, assistir à Bachiana nº 5 como primeiro concerto da manhã no Grande Auditório.

Quanto a Garrincha, e muito embora, o fenómeno futebolístico me seja indiferente, interessa-me o percurso do homem que causou escândalo na relação com Elza Soares, quando ela era figura maior da oposição à ditadura, e depois perdeu-se nos meandros da álcool, morrendo na miséria aos 49 anos depois de uma daquelas bebedeiras que o levou literalmente do caixão à cova.