sábado, março 31, 2007

CÍRCULOS LABIRINTICOS

Há dias a SIC Notícias apresentou uma reportagem, que obedecia a um dos estereótipos intemporais de todas as culturas: a da decadência das juventudes perdidas em relação aos valores moralmente superiores das gerações anteriores. Nesse trabalho televisivo os protagonistas eram adolescentes, que pouco ou nada se dedicavam ao estudo e orientavam todas as suas preocupações para a imagem virtual de si mesmos agora potenciada preferencialmente através da net.
Uma dessas criaturas era uma rapariga de 16 anos, que deixou de estudar e, com o apoio da mãe, estava apostada em ser cantora de sucesso. Por isso o seu programa de eleição, aonde contava chegar mais tarde ou mais cedo, era o «Academia das Estrelas».
A ingenuidade trágica dessa ambição impressionava, porquanto ela não entendia a vacuidade dos seus esforços, idênticos aos de milhares de outras raparigas exactamente iguais a si, e cujas probabilidades de sucesso - mesmo que medíocre - eram quase nulas.
O filme de Emmanuelle Bercot, «Backstage», evoca uma realidade semelhante através do percurso de Lucie, uma fã obsessiva de Lauren Waks, uma das cantoras de sucesso do seu tempo.
Importa dizer que a interpretação de Isild Le Besco no papel de Lucie é um dos poucos aspectos interessantes do filme, porque o seu próprio rosto traduz uma áurea de sofrimento condizente com o lado masoquista do seu percurso. Nesse aspecto ela ofusca por completo Emmanuelle Seigner, que nunca se consegue libertar do estado catatónico do seu tipo de personagem, comum aliás a outros da sua filmografia.
Mas a cena que, porventura, mais fica do filme é o seu final: depois de ter convivido com a cantora durante algumas semanas, Lucie foi empurrada para o quotidiano medíocre da sua aldeia, já com um filho nos braços e conformada com o seu destino de modesta empregada por conta de outrem.
Para trás fica a descoberta do lado sombrio da vida de palco, com a crise de afectos, os caprichos, as contradições, as pressões dos empresários e dos fãs numa súmula do que tem sido tema de muitos outros filmes.
É a ilusão da imagem como corolário dos mecanismos de transferência de identidade entre pessoas incapazes de saírem do círculo labiríntico das suas frustrações e que ora resulta numa explosão de violência, ora no conformismo de quem se realinha com a massa informe de uma população apática perante a sua própria incapacidade para chegar à Utopia...

quarta-feira, março 28, 2007

UM RUMO DETERMINADO

Na «Pública» de ontem há uma crónica da Faiza Hayat, que diz algo de muito pertinente: Não há como os enigmas para atrair a atenção do público. Um cantor medíocre, cujo rosto ninguém conhecia, porque antes ninguém reparava nele, coloca uma mascara e de um momento para o outro todos passam a ouvi-lo.
É lamentável, mas é assim desde que o mundo é mundo. E é daquelas coisas, que dificilmente irão mudar. Ou não existisse a palavra «manipulação» para a caracterizar. Até uma das ferramentas de gestão, o Marketing, não faz outra coisa senão acicatar o interesse dos consumidores em função do enigma ou de algo de semelhante, que relacione com uma determinada marca.
Bem podem existir programas como o excelente «Arrêt sur Images» do Daniel Schneidermann na televisão francesa, que nem por isso se conseguem espectadores mais competentes na dissociação dos conteúdos transmitidos a nível da informação nas suas diversas vias de interpretação.
É por isso que decorre a nível político - território por excelência desse tipo de estratégias condutoras das opiniões colectivas - um claro combate de argumentos quantas vezes falaciosos, mas tendo apenas um único objectivo: a assumpção tão plena quanto possível dos recursos conferidos pelo poder político por diferentes lobbies, que advogam ideias e conceitos amiúde completamente à revelia dos seus verdadeiros objectivos.
Quem não se recorda do quase total alinhamento à esquerda de todas as forças políticas surgidas no pós-25 de Abril?
Quando, por isso mesmo, os comentadores políticos anti-Governo apostam em denegrir as políticas de José Sócrates, acusando-as de se restringirem a mera propaganda, estão a usar exactamente as mesmas estratégias de que se pretendem críticos virtuosos.
Mas, a esse título, tais agentes políticos devem ser confrontados com uma questão fundamental: se em vez de denegrirem as acções governamentais com argumentos alternativos credíveis, não estariam a ser mais honestos e, sobretudo, mais eficazes na função democrática, que dizem representar?
Na realidade, eles parecem repetir a mesma fórmula até à exaustão por escassearem-lhes essas fundamentações, seja porque se assumem claramente como porta-vozes dos tais interesses lobbistas, que lhes pagam para os representar, seja porque exige-se muito menos trabalho na maledicência do que se faz do que em propor alternativas construtivas.
Mas alguns que, cobardemente, se escondem por trás da difamação e do insulto fácil, vão mais longe e tudo fazem para alcançar um verdadeiro assassínio de carácter. Quem esquece os boatos torpes sobre a ambiguidade da escolha sexual do primeiro-ministro, quando se estava em vésperas das últimas eleições legislativas? E quem está interessado em explorar essa vergonhosa campanha sobre o título académico do mesmo governante?
Estas campanhas destinadas a macular a reputação de José Sócrates só têm uma causa muito clara: o seu trabalho está a produzir resultados, como se constatou com a redução do défice para 3,9%, e os que viram os seus interesses equacionados com a viragem política em curso não olham a meios para, insidiosamente, travar os seus efeitos.
A melhor resposta a tais intentos tem sido a que o Governo tem assumido ao longo deste ciclo político: ficar indiferente às críticas não fundamentadas e prosseguir com o rumo determinado que o caracteriza.

quarta-feira, março 21, 2007

PASSAGE DU NORD-OUEST - UNE EXPÉDITION DANS LES GLACES POLAIRES

Em 2005, o realizador alemão Gunther Scholz acompanhou a equipa do navegador Arved Fuchs na conquista da passagem do Noroeste, um caminho marítimo quase mítico aberto por Amundsen em 1906. Uma aventura, que confronta esses homens e essas mulheres com os gelos e com o frio mais intenso em paisagens imaculadamente brancas.
Há cinco séculos que essa passagem era procurada por marinheiros, comerciantes e aventureiros europeus, apostados em encontrar um caminho marítimo de acesso à Ásia, que evitasse as rotas pelo hemisfério sul. A única solução era atravessar o oceano Árctico.
Mesmo depois de Amundsen não foram muitos os barcos, que repetiram a façanha. A aventura do veleiro «Dagmar Aaen» dura catorze meses e passa por um fracasso inicial, que obriga ao recurso de ajuda de um quebra-gelos. Mas a persistência e alguma sorte acabam por levar ao objectivo pretendido...

segunda-feira, março 12, 2007

AGNÉS BERT: TU SERÁS UM HOMEM, FILHA!

«Tu serás un homme, ma fille» foi o documentário transmitido pela Arte para celebrar a efeméride. Da autoria de Agnés Bert mostra como em zona recôndita da Albânia existe um costume singular: certas mulheres são instadas a, desde a puberdade, a assumirem uma identidade masculina.
A realizadora entrevistou algumas delas para perceber o que esteve na génese de tão singular opção: nuns casos a razão parece ter a ver com uma efectiva masculinidade genética, mas noutros casos tratou-se de uma imposição paterna com tudo o que essa vontade pressupunha numa sociedade profundamente patriarcal.
O que parece evidente é a desconfiança dos conterrâneos pela ambígua postura dessas mulheres-homens, que revelam até competência em tarefas comummente destinadas aos homens (mecânicos, motoristas, pastores). Mas o interesse maior do documentário reside na capacidade da realizadora para tudo isso traduzir em imagens cuidadas, com enquadramentos bem recortados…
Segundo a revista de programas do canal franco-alemão este filme merece a seguinte recensão:
Num jardim verdejante com ervas daninhas, um velho seco de carnes apanha uma galinha e decepa-a com um machado. Mas haki não gosta de depenar a criação: «antes dos 40 anos nunca fiz trabalhos de mulher. Agora, que vivo sozinho, vou ter de me habituar»
A sua silhueta longilínea, o cigarro permanentemente na boca e o fato de homem são características enganadoras: Haki é uma mulher.
Nas aldeias do nordeste albanês, à volta de Bajram Curri - elas são várias a viverem como homens. A tradição a tal as autoriza - ou mais precisamente o «kanun», lei arcaica que rege as relações sociais há vários séculos. Nas famílias que tenham perdido um pai ou um filho, uma rapariga poderá preencher o papel de chefe de família. E as que se recusem a submeter-se à sua dura condição de mulher podem igualmente adoptar esse estatuto masculino. Na condição de jurarem ser eternamente virgens.
Haki, Solol, Shkurtan e Samic fizeram essa escolha. Por vontade própria, para ajudar as famílias, por sede de liberdade - frequentemente uma subtil mistura das três. Renunciaram ao casamento, à maternidade, ao amor. Em troca, ganharam o direito de ir aonde lhes apeteça., de não se submeterem a um marido ou a um irmão.
À força de obstinação e de trabalho ganharam o respeito de todos.
Neste belo recanto dos Balcãs, a realizadora encontrou diversas mulheres apostadas em serem homens. Entre elas, destacam-se os rostos de Haki, Samie, Sokol e Shkurtan.
Samie, que deve andar pelos cinquenta anos, é a mais nova. As outras três mulheres são da geração anterior.
Sozinhas ou rodeadas de familiares, sob as árvores dos jardins ou no interior de casa, cada uma revela-se: porque fizeram essa opção, como viveram, que espaço ocupam na comunidade.
Numa sociedade ainda largamente dominada pelos homens, há algo que se repete. «não tinha vontade de sofrer como todas as mulheres», dizem em uníssono.
A necessidade de dirigir a família depois da morte de um pai ou de um irmão só deu o álibi para essa decisão. Agnés Bert encontrou a distância necessária para filmar essas palavras: sem exagerado voyeurismo e com uma autêntica generosidade.
Confiantes, as mulheres revelam-se amiúde divertidas…
O cenário dessas confidencias é o de uma região magnífica: as folhas rumorejam e filtram uma belíssima luz de Verão. O que só aprofunda a impressão de serenidade inerente a esses testemunhos, quando se sabe quão difíceis terão sido os passados de tais mulheres...

UM GRINGO A SUL DO RIO BRAVO

George W. Bush decidiu visitar a América Latina. Agora que o seu segundo mandato já se precipita para o fim, ele decide dar alguma atenção a um sub continente quase sempre esquecido das suas preocupações. Excepto quando cria acrescidos entraves à emigração mexicana ou quando se trata de insultar os presidentes cubano ou venezuelano. É, pois, natural a recepção de que se vê alvo: nas grandes metrópoles por onde vai passando sucedem-se manifestações contra a sua presença. Ele é o Grande Satã com odor a enxofre como o acusa Hugo Chavez. E a verdade é que uma maioria significativa de latino-americanos acredita nisso mesmo. Em mais de seis anos de mandato ele só conseguiu agravar a opinião anti-imperialista assumida pela comunidade internacional…

UMA MANUAL DE HISTÓRIA COMUM?

Não me merece grande entusiasmo a notícia de um Manual de História comum a todos os jovens estudantes europeus, conforme consta de um projecto alemão, que conta com o acordo da França e da Espanha.
Não é que tenha perdido o entusiasmo por uns futuros Estados Unidos da Europa em que as diferenças nacionais se diluam em proveito de uma identidade comum. O receio é que um Manual como o agora proposto venha eivado de preconceitos ideológicos inerentes a quem dele seja incumbido.
Por exemplo seria equilibrado em relação a todos os anos de «socialismo» na Europa de Leste ou repetiria as habituais receitas anticomunistas primárias?
Por ora justifica-se a divulgação de conceitos diversificados, que dê espaço a leituras menos canónicas dos factos do passado…

domingo, março 11, 2007

EMBAIXADA PORTUGUESA EM BAGDAD: THIS IS THE END

Qual o motivo para investir recursos na representação diplomática num qualquer país?
A meu ver só duas razões justificam essa presença: ou a existência de uma importante comunidade portuguesa emigrante carecida de apoio ou um potencial económico passível de gerar retorno a curto ou médio prazo dos custos nela envolvidos.
A notícia do fecho da Embaixada no Iraque assume, a esta luz, toda a lógica. Nos tempos de Saddam, quando a maioria dos iraquianos usufruía um estilo de vida sem qualquer comparação com a insegurança e a miséria actuais, justificava-se essa presença em função dos negócios entre ambas as partes. Não seriam muitos os portugueses a trabalharem em Bagdad, mas eram os bastantes para fundamentar um esforço financeiro a nível do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Agora, pelo contrário, existe uma total insegurança, que compromete a vida de quantos ali prestam serviço, e ninguém no seu juízo perfeito antevê a possibilidade de estabelecer parcerias comerciais com quem que seja nesse país destroçado.
Quem poderá, pois, considerar justificável a manutenção de tal Embaixada? Pelos vistos, apenas quem vê em qualquer facto o argumento para arremessar atoardas contra o Governo. Como sucede com a actual liderança do PSD…
Existe alguma expectativa de recuperação de qualquer euro consumido com representantes diplomáticos em Bagdade? O seguidismo face à Casa Branca e ao seu desacreditado ocupante justifica posições políticas apenas movidas pela necessidade de querer dar uma aparência de normalidade ao que o não tem: a actual sociedade iraquiana?
Numa altura em que se quer menos despesa pública é completamente justificável a decisão de eliminar embaixadas e consulados aonde os custos estejam longe de ser compensados pelas receitas, económicas e/ou políticas subjacentes…