Por questão de comodidade escolhi uma das salas de cinema do Forum Almada para ver «Cinzento e Negro» do Luís Filipe Rocha, que ali se estreara há menos de uma semana.
Dias atrás um familiar tinha-se antecipado nessa visualização e comentara ter tido a sala de cinema para seu exclusivo usufruto. Desta feita éramos três, o que leva a perguntar no quanto há a fazer para alterar este estado das coisas.
É que, apesar da predominância do tipo de cinema destinado a servir de alibi para os adolescentes irem consumir pipocas e coca-colas, continua a existir um público razoável quando se trata de Festivais, tipo Indie ou DocLisboa, ou mesmo para ciclos como o que o Nimas anda a promover em torno do cinema soviético.
Ademais as imbecilidades produzidas pelo Leonel Vieira com base nos títulos nacionais dos anos 30 e 40, ou as propostas mentecaptas das «Balas & Bolinhos» conseguem alcançar mais de cem mil espectadores.
Estaremos, pois, condenados a uma filmografia orientada para os idiotas chapados? Ou cabe ao governo promover o cinema nacional, que merece ser visto? Estou em crer que, se como contrapartida das concessões televisivas atribuídas, o Estado impusesse um minuto diário de publicidade em horário nobre sobre os projetos teatrais e cinematográficos, que apoia com subsídios, o resultado seria diferente.
É que «Cinzento e Negro» até é o tipo de filme, que não exige inteligência sobredotada para ser compreendido. Tem uma história bem carpinteirada, diálogos convincentes, atores e atrizes irrepreensíveis, fotografia lindíssima (sobretudo aproveitando as paisagens do Pico e do Faial) e uma banda sonora - de Mário Laginha!-, que já vi criticada menos positivamente, mas pelo contrário bem ajustada à evolução da trama.
A história conta-se em poucas linhas: saído de um desgosto pessoal - a filha atirou-se de uma ponte! - o polícia Lucas é convidado por uma empregada da limpeza, Maria das Dores, a procurar-lhe o namorado, que fugira com um saco contendo cerca de milhão e meio de euros. O dinheiro pertencia a um professor universitário, de quem ambos cuidavam, e progressivamente paralisado pela doença degenerativa. Ora cumprindo-lhe o desejo de apressar-lhe a morte, David Justo cuidara de desaparecer e libertar-se assim de uma relação afetiva com o seu quê de asfixiante.
É essa a razão porque de Lisboa os protagonistas viajam para os Açores, aonde o fugitivo terá encontrado porto de abrigo e uma relação amorosa ocasional com uma empregada do célebre Peter’s Café.
O realizador dá consistência à psique dos principais personagens, mas também deixa alguns subentendidos ambíguos, como o do verdadeiro laço afetivo, que ligava Maria das Dores e David Justo.
É, pois, um filme sobre as perdas e a impossibilidade de as recuperar, mesmo se se tenta compensá-las ora pelo dinheiro, ora pela ocupação do espaço físico que era o do outro. Trata-se, pois, de um exemplo eloquente do tipo de proposta cinematográfica, que merecia melhor sorte por parte dos potenciais espectadores.
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