sexta-feira, maio 06, 2016

DIÁRIO DAS IMAGENS EM MOVIMENTO: Há redenções surpreendentes

Há vinte anos, se me dissessem que iria escrever um texto encomiástico a respeito de Vincent Lindon, eu ficaria seriamente espantado. Na época, mais do que os seus papéis no cinema, o que lhe garantia a notoriedade era a condição de marido oficioso de Caroline do Mónaco, com capas frequentes na Paris-Match.
Ora, nas minhas firmes convicções republicanas colocava-o logicamente naquele índex destinado a quem servia de cartaz publicitário para instituições tão equívocas como é o caso do Principado situado no sul da França.
Mas, no entretanto, Lindon regenerou-se e, em sucessivos papéis dos últimos anos, tem-se revelado um ator muito respeitável, até não cobrando o cachet devido, quando se trata de filmes sobre questões, que lhe passaram a dizer muito. Como é o caso deste «A Lei do Mercado», um dos filmes mais apetecíveis de quantos andam pelos ecrãs lisboetas.
No filme ele é Thierry, um quinquagenário a contas com o desemprego e a terrível perspetiva de não voltar a encontrar alternativa capaz de lhe assegurar a sobrevivência e a dignidade.
Reciclado em segurança de um hipermercado não tarda a confrontar-se com um terrível dilema moral: manter o emprego ou recusar-se ao papel pretendido pela direção de delator das falhas das empregadas das caixas, assim sujeitas ao despedimento.
Num artigo do «Público», Vasco Câmara aponta Lindon como o ator francês mais credível em personagens classificáveis nos níveis mais baixos da escala social. Só não concordo, porque há Jean-Pierre Darroussin, mas ele está-lhe logo a seguir, porque, apesar de provir de um ambiente burguês, Lindon soube olhar para o mundo à sua volta e compreender as injustiças de que ele é feito. Por isso, num filme recente igualmente memorável - «Welcome», ele ajudava um jovem curdo a tentar a travessia do Canal do Suez para romper com os obstáculos colocados à livre circulação dos refugiados.
Mais do que um filme de denúncia quanto a uma situação de injustiça, o filme de Brizé é revelador quanto aos mecanismos de que se serve o sistema capitalista para fazer dos desfavorecidos os maiores inimigos dos seus iguais. Porque cria competitividades estéreis, fomenta os piores instintos e incentiva o conformismo dos que tendem a ser empurrados para a marginalização.
Em nome dos valores da decência, os que se recusam a fazer esse jogo - a respeitar a “lei do mercado” - estão condenados à solidão de quem se vê obrigado a ponderar nas consequências de uma decisão, que faz depender a preservação de um emprego precário do remorso do mal que se pode praticar.
Nesse sentido a ética, quer tenha a ver com valores republicanos, judaico-cristãos ou quaisquer outras matrizes dependentes do respeito pelos Direitos Humanos, não se coaduna em nada com esse tal mercado, cujas leis devem ser definitivamente proscritas. A solidariedade e a igualdade são valores, que valem a pena ser reintroduzidos no nosso quotidiano. 


Sem comentários: