Esta semana a revista «The Atlantic» assinalou a passagem do 30º aniversário do acidente na Central de Chernobyl com a publicação de um artigo de Michael Lapointe sobre a forma como a literatura mundial o abordou.
«Chernobyl’s Literary Legacy» - assim se intitula o texto - começa por referir «Accident: a Day’s News», que a alemã Christa Wolf escreveu entre abril e setembro de 1986, pondo-se na pele de uma escritora leste alemã, que recebe a notícia do que se passou a quase dois mil quilómetros de distância, quando está à espera de um telefonema do hospital onde o irmão está a ser submetido à cirurgia de um tumor no cérebro.
O romance constitui a longa meditação da protagonista ao longo desse dia sobre as consequências imediatas e a longo prazo do sucedido e que decorre do desejo aparentemente insaciável do homem em criar tecnologia capaz de controlar a natureza. Um dia lindo com as cerejeiras em flor, em que a notícia entrelaça-se num fluxo torrencial de pensamentos e de diálogos relacionados com essa preocupação mais pessoal, porque o telefone também a vai pondo em contacto com as filhas ou com um amigo.
A rádio vai transmitindo comunicados sobre a nuvem invisível de radiação a pairar por cima da cabeça da narradora e a discussão dos especialistas sobre as suas causas e efeitos.
O diálogo mental com o irmão é, porém o fulcro do romance onde se confronta a existência de um mundo com tecnologia capaz de fornecer as competências e as ferramentas necessárias para o curar, mas pôr ao mesmo tempo em causa a sobrevivência da vida na Terra. Três décadas depois o romance de Wolf não perdeu nada da sua acutilância.
No ano seguinte o escritor de ficção científica Frederic Pohl publicou «Chernobyl: a Novel», que é considerado um dos seus romances menos interessantes.
Através de personagens ficcionados, Pohl descreve os acontecimentos de acordo com o que se conhece dos relatórios das autoridades soviéticas e da Agência Internacional de Energia Atómica. Estão em causa não só o comportamento dos técnicos e bombeiros, que foram minimizar os efeitos catastróficos do sucedido, com muitos deles a terem a consciência do custo fatal desse esforço, que lhes estava a ser exigido nesse momento. E não faltam as vicissitudes sentidas pelos que se viram obrigados a sair da Zona de contaminação em torno da Central bem como especulações sobre as intrigas na cúpula do poder soviético de acordo com os estereótipos de um tipo de literatura imbuída do espírito da Guerra Fria.
À medida que os anos foram passando o tipo de abordagens mais imediatistas deu lugar a outras em que se passaram a colocar outras questões: quem permitiu que aquilo sucedesse e como viveram essa responsabilidade nos anos seguintes?
Os autores começaram a imaginar os que tiveram de lidar com a culpa e viveram desde então assombrados pelo que sucedeu naquele dia fatídico. É o tema de «Wolves Eat Dogs», um romance policial de Martin Cruz Smith.
Passado em 2004, é o quinto romance do autor que tem o detetive Arkady Renko como protagonista e começa com a investigação em torno do aparente suicídio do oligarca Pavel Ivanov, depressa identificado como tratando-se de um homicídio. É que, apesar de tudo apontar para que estivesse sozinho no apartamento de cuja varanda se atirou, a roupa estava estranhamente salgada.
O cenário do crime passa-se na «Zona» em torno da central, naquela área de acesso proibido a quem não tiver autorização especial para nela entrar.
Apesar de pressionado pela hierarquia para não aprofundar o caso, chegando a ser dele afastado, Renko descobre que o apartamento de Ivanov está radioativo e a sua morte fora forçada por quem queria silenciar o que ele sabia.
O título explica-se pela ideia de os lobos atacarem os cães por, ao deixarem-se domesticar, terem traído a sua própria espécie. Por isso o assassino descreve-se como um predador, que ataca as vítimas sem qualquer remorso, sobretudo quando eram cúmplices acometidos de problemas de consciência em relação ao perpetrado.
Deixando para outro texto a abordagem ao «Voices from Chernobyl» de Svetlana Alexeievich), concluo com a sugestão de Michael Lapointe sobre o impressionante conto de Jim Shepard intitulado “The Zero Meter Diving Team,”, que pode ser lido neste link. É a história de três irmãos, que lidam com as consequências da crise nuclear decorrente do acidente.
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