Na primeira cena do filme, Marceline, apesar de estar à beira dos quarenta anos, vê-se em palpos de aranha para se livrar da mãe e da tia, que continuam a invadir-lhe a privacidade como se ainda fosse uma adolescente.
Logo constatamos que ela está a preparar a estreia da peça de Turgueniev, «Um Mês no Campo», onde desempenha o papel principal, o de Natalia Petrovna. A dirigi-la surge um encenador exaltado (Mathieu Amalric, sempre irrepreensível!), que imagina-a capaz de um desempenho superlativo sem imaginar a crise, que lhe vai no âmago. É que a ginecologista alertou-a para a iminência de jamais conseguir ser mãe, tendo em conta a evolução hormonal. Ora, ela que sempre falhara rotundamente nas relações amorosas, até arrisca um pedido à Virgem para engravidar, nem que dispensando a garantia de um pai para a criança.
De repente desaprende tudo quanto dela tinham feito uma das atrizes mais conceituadas dos teatros parisienses e sucedem-se situações emocionais muito descontroladas em que ora ri despropositadamente, ora chora, ora junta as duas reações em simultâneo. A única forma de conseguir alguma acalmia interior é quando nada na piscina ao som de Glenn Miller.
Em contraponto com ela surge Nathalie, a assistente de encenação, e sua antiga colega de Conservatório, a quem a maternidade e o casamento com um agente imobiliário tinham afastado do contacto direto com os palcos. Mas, se Marceline vive a frustração de não ser mãe, Nathalie vive a frustração de, sendo-o, ter deixado de ser atriz.
O filme acaba por mostrar como o teatro é uma espécie de ogre que se alimenta da vida dos que se lhe entregam inteiramente, E Valeria Bruni-Tedeschi confirma que, se há algo que a apontar-lhe, é o de ter como cunhado o insuportável Nicolas. Porque até na escolha da própria mãe para fazer esse mesmo papel no filme, ela pisca-nos o olho e põe-nos a perguntar se, em vez de Marceline, não é a própria Valeria que aqui se desvenda?
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