Cá em casa José Eduardo Agualusa já adquiriu o estatuto - reservado a poucos autores - em que se lê tudo quanto dele provém, mesmo sem se imaginar ao que se vai, quando se abre a primeira página.
Não sabíamos, pois, que se tratava de um romance juvenil, destinado aos próprios filhos do escritor e nascido de um sonho, que lhe rendeu a frase a partir da qual desenvolveu a ideia: "Depois que o mundo acabou fomos para o céu."
Estamos, pois, num mundo distópico resultante do Grande Desastre, que fez subir os oceanos e a temperatura à sua superfície. Por isso os sobreviventes ascenderam aos Céus, ocupando dirigíveis e balsas onde reproduzem as virtudes, mas sobretudo os vícios das antigas sociedades terrestres. Mormente as desigualdades entre os ricos e os pobres. Os primeiros a viverem no lazer, os segundos a servi-los como escravos.
Agualusa aproveita, pois, para criar uma metáfora muito elucidativa sobre os nossos tempos atuais, quer em Angola, quer na generalidade do planeta. Nesse sentido retoma a tradição literária, que levou More a criar a sua Utopia ou Swift às sucessivas terras descobertas por Gulliver.
O narrador do romance é Carlos Moco e nasceu em Luanda, que mais não é do que um conjunto de cem balsas voadoras agregadas umas às outras para melhor resistirem às muitas ameaças, que continuam a pairar à altura das nuvens. Há por exemplo piratas, como o tenebroso Boniface, que lhe rapta o pai, obrigando-o a procura-lo, primeiro no dirigível Paris, e depois numa ilha verde para onde ele procurara dar satisfação ao desejo de viver em terra firme.
A Carlos irão associar-se sucessivos amigos, desde uma afoita adolescente até uma feiticeira, de um indonésio até um piloto cego, para além de outros que entram e saem rapidamente da movimentada história como manda o género e o tipo de leitores a que se destina.
O final é reconfortante embora o planeta continue sem sinais de superar a condição pós-apocalíptica a que chegou. Mas nós tivemos uma lição prática sobre o conceito de nefelibatas, porque não só existem humanos a viver nas nuvens, como não faltam sonhadores suficientemente idealistas para se colocarem assumidamente fora da realidade. Que é o que, a um terceiro nível, acaba por fazer Agualusa.
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