sexta-feira, abril 06, 2018

(DL) Uma capacidade fantástica de esperar


Uma das primeiras constatações de Ryszard Kapuściński, logo nos seus primeiros dias em África, é a capacidade inigualável dos africanos para esperarem. Quando decidiu apanhar um autocarro de Acra para Kumati concluiu que a hora de partida era fixada por uma regra incontornável: o veículo só partiria quando a lotação estivesse esgotada. Era assim em 1957 no Gana recém-independente e, três décadas e meia depois, constatei que assim persistia na África do Sul, quando o apartheid estava prestes a dar o lugar à nova realidade ditada pela libertação iminente de Mandela. Quase por certo assim continua em muitas cidades africanas apesar de estarmos francamente instalados no novo milénio.
Mas o talento daquele que foi considerado o melhor repórter de sempre não se fica pelas sagazes constatações. Há uma atenção permanente a tudo quanto se passa à sua volta e sobretudo às pessoas com quem tenta dialogar. Mais do que ver há um analisar permanente, um aprofundar de uma realidade muito mais rica do que as suas aparências:
“Os indígenas, os africanos veem o tempo de modo muito diferente. O tempo é para eles uma categoria bastante ligeira, elástica, subjetiva. O homem influencia a configuração do tempo, o modo como ele decorre e o ritmo (obviamente só o homem que vive em boas relações com os seus antepassados e com os deuses o consegue). O tempo pode até mesmo ser criado pelo homem, porque a existência do tempo manifesta-se em determinados acontecimentos e se esses acontecimentos se realizam ou não é algo que acaba por depender do homem. Se dois exércitos prescindirem de uma batalha, então essa batalha não tem lugar (isto é, o tempo não pôs à prova a sua existência, não existiu).
O tempo torna-se percetível como consequência das nossas ações e desaparece quando deixamos de fazer alguma coisa ou não fazemos absolutamente nada. O tempo é uma matéria que pode, sob influência nossa, ser constantemente animada de vida, que mergulha, contudo, num estado de sono profundo ou de não existência, mal abdicamos da nossa energia. O tempo é uma categoria passiva e, acima de tudo, dependente do homem.
Uma inversão completa do pensamento europeu.
Passando da teoria à prática: quando chegamos a uma aldeia, na qual vai haver uma reunião durante a tarde, e não encontramos ninguém no local do encontro, não vale a pena perguntar: «Quando é que a reunião começa?» A resposta é, pois, já sobejamente conhecida: «Quando todos estiverem presentes.»
Daí que um africano, depois de entrar num autocarro, nunca pergunte quando vai partir; entra, senta-se num lugar livre e passa imediatamente a um estado no qual passa uma grande parte da sua vida - à espera.
«Estas pessoas possuem uma capacidade fantástica de esperar!», disse-me uma vez um inglês, que aqui vive há três anos, «uma capacidade, uma resistência, um espírito completamente diferente!»”
Ryszard Kapuściński, «Ébano», pág. 23
No antigo reino ashanti ele pressente um dos problemas que o continente nunca conseguiu resolver completamente: a persistência de uma identidade tribal em conflito latente com a ditada geograficamente pelo esquadro e compasso dos arquitetos da divisão colonialista operada nos Acordos de Berlim de 1884– 1885. Com uma cultura diferente da dos povos sedeados junto à costa, é com desconfiança, que encaram o poder de Nkrumah.

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