segunda-feira, abril 02, 2018

(DL) «Manobras de Guerrilha» de Bruno Vieira Amaral (I)


«Emboscadas» é o título da primeira parte de «Manobras de Guerrilha», antologia de textos de Bruno Vieira Amaral, que conheceram pretéritas vidas nas mais variadas publicações e agora se congregam num único volume com a coerência, que os leva a interligarem-se nas obsessões, nas circunstâncias e nas limitações que condicionam o potencial de cada um dos seus personagens.
Porque o autor é da margem sul do Tejo, situando quase sempre as ficções nas redondezas do Barreiro, não se estranha que o primeiro dos textos seja sobre Fernando Chalana, nascido e crescido numa terra, que chegou a ser tida como viveiro de gente talentosa invariavelmente desembocada no Benfica.
Entre a estreia no Barreirense e os anos felizes no Benfica, as desventuras em Bordéus e a dedicação aos pombos como hobby de reformado, Chalana é evocado na permanente preocupação em não se ver rejeitado, ele que vira fecharem-se-lhe as portas da CUF apenas por ser pobre e nada ter a ver com a elite, que ali se aceitava.
No mundo do futebol também se radica «Messi e o paradoxo do génio profissional» em que se elogia o jogador do Barcelona, contrapondo-o a Maradona e a Cristiano Ronaldo, mas constatando-se que “vigiados e apaparicados por departamentos de comunicação e relações públicas, os ídolos de hoje não têm espessura nem densidade humanas, são figuras virtuais sem dramas nem abismos”.
Os três textos seguintes reportam-se ao mundo do boxe, começando por Jake LaMotta, o pugilista que Robert DeNiro interpretou em «O Touro Enraivecido», filme realizado por Martn Scorcese quando andava perigosamente a cirandar à beira do abismo do álcool e das drogas. Por isso mesmo é personagem, que carregará a  cruz até ao seu personalíssimo calvário. Tendo em conta o catolicismo do cineasta era um encontro que estava fatalmente fadado para se concretizar. Quase a concluir, Bruno Vieira do Amaral escreve: “Há uma diferença entre perder e cair que reside na ideia de sacrifício, na ideia de que alguém tem de beber o cálice do sofrimento até à ultima gota. Como se tivesse sempre de haver alguém a sofrer por nós, a receber os golpes que nos estão destinados.”
«Mike Tyson» é um texto curto sobre uma força da natureza que, afinal, nunca deixou de ser o miúdo gordo dos pulmões débeis, sua surpreendente antítese.
«Mohammad Ali: como é que eu me chamo?» fecha esse ciclo sobre os ringues onde os socos são secundários, quando ali se sobrepõem as questões de identidade, de classe social, de vontade inexplicável de revolta. Como se as ruas donde provém os seus atores nunca ficassem para trás, quando eles saltam as cordas e entram no quadrado onde o futuro se conjuga. Quase sempre sem hipótese de redenção.
O atletismo, através da personalidade atormentada e complexa de Fernando Mamede, é tema para «Viver não dá direito a medalhas». Ao lê-lo recordo as madrugadas ansiosas em que esperávamos as medalhas prometidas pelos records mundiais e o corredor de fundo nos desiludia atrasando-se desde o tiro de partida e abandonando quando as câmaras estavam distraídas demais para captarem o momento da desistências. Mas, para ele, os triunfos eram vividos na solidão, quando ninguém lhe exigia desempenhos que o confrontassem com a responsabilidade de se ver no centro de todas as atenções.

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