quinta-feira, abril 12, 2018

(DIM) CINECLUBE GANDAIA - «Por Favor Não me Mordam o Pescoço» de Roman Polanski (III)


Nos filmes de Roman Polanski o cenário assume sempre uma importância significativa: lagos, iates, castelos isolados, apartamentos trancados - são exemplos de opções, que podemos encontrar em muitos dos seus filmes. Para « Por Favor não me mordam o Pescoço» o incentivo maior para rodar o filme terá sido a neve e o tipo de paisagem, que suscita, com os azuis, os vermelhos e os verdes  - as cores dominantes do filme - a suscitarem os contrastes visuais, sobretudo quando vislumbrados ao luar.

Na paisagem montanhosa situam-se os dois polos da ação: o negativo, correspondente ao das vítimas, que estão acossadas na pousada da aldeia, constantemente ameaçada pelos predadores apesar da ilusória proteção de inúmeras tranças de alhos penduradas por tudo quanto é sítio. O outro polo, o positivo, de onde provém o mal e se escondem os vampiros, é o castelo do Conde von Krolock.
A chegada de Abronsius e de Alfred constituirá um acontecimento perturbador num equilíbrio, que já se adivinhava complicado. E que terá consequências bem mais profundas no final, porquanto, se até então, o castelo era um espaço fechado para onde era sugado tudo quanto estava em volta, o amor de Alfred por Sarah significará a inquietante evolução final, com os vampiros a dali partirem à conquista do mundo para lá das montanhas dos Cárpatos.
Mais do que uma paródia, o filme é uma ficção, que abre a porta a todas as possibilidades. A começar pelo nosso próprio terror, porque, se rimos durante toda a sua exibição, esse riso é o de termos medo. O humor nasce da adulteração do que vemos, mormente da inversão de valores que cada sequencia explora inventivamente.
Há movimento endiabrado desde a cena do trenó a descer das encostas para a pousada até ao pânico de Abronsius quando dá com o cadáver do hospedeiro, e culminando no telhado da capela com o infeliz professor a ficar preso na estreita passagem, demasiado exígua até para a sua magreza. É um movimento, que suscita o riso, porque desviado do seu sentido lógico. Ou assume a forma de bailado como acontece quando Alfred se escusa ao assédio do filho do Conde no claustro do castelo.
Mas o que traduz o movimento na sua reversão, com o suspense a redundar sempre numa situação humorística - é a dinâmica de intenção em que tudo tende para o seu contrário: pensando encontrar Sarah na casa de banho, Alfred encontra Herbert em camisa, apostado em dar-lhe a entender os seus «delicados» sentimentos. Será Alfred seduzido, ou seja mordido, pelo vampiro homossexual pródigo em recorrer às fórmulas de um pequeno livro para as conquistas amorosas? O que se segue remete para os melhores filmes dos Irmãos Marx, com uma perseguição em que a última defesa de Alfred consiste em morder o próprio vampiro. Essa forma genial de gerir a aceleração, a queda e a insólita conclusão age com a mesma eficácia dos níveis intencionais mais subtis. Por exemplo aquele em que Abronsius brande uma cruz face ao hospedeiro, entretanto convertido em vampiro, mas ainda assim a continuar judeu! A religião é aí convocada para a festa. O ateísmo de Polanski permite-lhe a total liberdade na exploração do absurdo, como sucede com a mulher desse hospedeiro que é careca, porque as judias da Europa central deviam sempre usar peruca.
Do principio ao fim quanto mais verosímil é a ficção, mais a realidade se desvanece, entrando em cena o fantástico puro e duro!

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