quinta-feira, abril 19, 2018

(DIM) CINECLUBE GANDAIA: Um exercício jubilatório sobre a violência na relação amorosa


«Lua de Mel, Lua de Fel» constitui um exercício jubilatório de Roman Polanski, porque encontrando matéria para abordar comportamentos sexuais desviantes e radicais, retira-lhes toda a explicitação visual, já que tudo quanto os personagens praticam só o sabemos mediante as descrições de Óscar. Ademais consegue manter incólumes as relações de poder e sentimental de cada um dos quatro personagens principais.
Raro terá sido encontrar comportamentos que, à partida, consideraríamos doentios, como inseridos numa lógica inatacável. Quando acompanhamos os desenvolvimentos da relação de Óscar com Mimi ou a dominação de Paul, submetido às sevícias por ele próprio escolhidas para lhe serem infligidas, o filme torna-se particularmente bem conseguido. Muito embora a tortura decorra do cansaço verificado numa relação amorosa, que deixou de comportar o seu lado apaixonado.
Interagem a tortura moral com as frustrações quotidianas, banalizando-se  a violência psicológica. A relação retoma a intensidade nessa nova forma, que inclui a humilhação do outro. Há uma degradação progressiva, que culmina na crueldade aplicada a Óscar tão só ele fica preso a uma cadeira de rodas e totalmente dependente de ajuda alheia. Ele que humilhara vê-se, por sua vez, humilhado...
O filme vai alternando entre o revoltante e o fascinante, porque avançamos em terreno psicológico, que tende para um final em crescendo, com o réveillon a funcionar como o clímax dos vexames e a explosão dos recalcamentos.
«Lua de Mel, Lua de Fel» revela todas as facetas deformadas do amor, exaltando o ciúme e o predomínio dos desejos imediatos sobre o sentido dado à própria vida sentimental.
Polanski nunca terá sido tão eficiente na troça ao orgulho masculino e ao insaciável desejo carnal, cuja decadência é aqui consagrada, no meio de uma festa de absoluto deboche, com zaragatas, vómitos, embriaguez desbragada, ou seja num ambiente que incomoda e nada retém do encanto, que se julgaria conter inicialmente. 

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