terça-feira, abril 17, 2018

(DL) A Patagónia de Saint-Exupéry


Em 1929 Antoine de Saint-Exupéry, então jovem piloto da Aeropostale, ficou incumbido de uma nova linha aérea na Patagónia argentina. «Voo Noturno» viria a ser o romance redigido sob a influencia das experiências em que aí viu a vida frequentemente em perigo. Por isso reconheceria que “ a terra ensina-nos bem mais sobre nós próprios, que todos os livros. Porque ela resiste-nos.”

O que encontrou no cone austral do continente americano foi a solidão extrema com grandes extensões sem vivalma. Um mundo à parte onde a natureza ganhava dimensões desmesuradas, tendo por ponto de partida Bahia Blanca ao norte e Rio Gallegos, mais de mil e cem quilómetros a sul. O frio tornava-se extremo, tornando difícil a sobrevivência dos poucos humanos, que aí arriscavam sobreviver.
Por cima das nuvens o piloto habituou-se a reencontrar o silêncio, que já lhe valera inusitada sugestão espiritual, quando percorrera os céus do Sahara.
As aterragens eram sempre complicadas, porque as pistas não existiam obrigando os aviadores a testarem a perícia em pisos irregulares, que poderiam revelar-se devastadores para aparelhos ainda tão básicos do ponto de vista tecnológico. Mas as compensações revelaram-se intensas: quando fazia escala na península de Valdez, Saint-Exupéry extasiava-se com a riqueza da vida selvagem, fossem os guanacos em terra fossem os lobos marinhos e as orcas ao largo. Numa das ilhas aí existentes encontrou a inspiração para o desenho da serpente, que ilustraria depois «O Principezinho», quando o criou anos mais tarde. Porque, vista da praia, o perfil era exatamente o mesmo.
A chegada da Aeropostal às pequenas urbes da Terra do Fogo significou uma verdadeira revolução local, por tornear a limitação de conseguir o contacto com a capital só após dez dias de navegação. Por isso todas as aldeias e vilas exigiram ver-se contempladas pelos serviços dos aparelhos pilotados por Saint-Exupéry e seus companheiros de aventura. Daí que o escritor tenha sentido particularmente calorosos os contactos com esses argentinos do sul do grande país pois mostravam-se tão pioneiros quanto ele na forma como arriscavam as vidas, sujeitando-se a provações dignas do maior respeito.
Ao distar apenas um dia tão longínquas terras de Buenos Aires, Saint Exupéry contribuiu para as transformar. Mas, na verdade, também ele mudaria a seu modo com tão intensas vicissitudes...

Sem comentários: