quinta-feira, abril 12, 2018

(C) Memórias sãs e memórias traumáticas


Numa conferência, que proferiu em Nantes em 2013, o neurólogo Boris Cyrulnik distingue uma memória sã da que não o é, de uma forma sinteticamente muito esclarecedora.
Quando a nossa memória é sã também se revela evolutiva, mudando ao longo do tempo e dos contextos. O que significa que, se tomarmos o exemplo de dois irmãos dispostos a recordarem os pais, o farão de forma completamente diferente, porque terão passado por experiências distintas, recordando-os de acordo com a sua própria subjetividade. Ademais a forma como um casal atua para com o primeiro, o segundo, o quinto filho, nunca é a mesma, justificando logo, por essa especificação, que os evoquem consoante essas dissemelhanças. Cyrulnik é taxativo, quando diz para nunca acreditarmos em pais, que digam ter amado os filhos sempre da mesma maneira.
Quando uma pessoa é sujeita a uma experiência traumática fica presa nesse passado, não havendo presente possível para si. Cria-se uma representação ferida de si própria. Anna Freud dizia dever distinguir-se o trauma em si do traumatismo, que passa a ser a representação do que se vivenciou.
O que nos distingue dos outros animais é o facto deles sofrerem o trauma uma única vez e dele escaparem, enquanto nós, humanos, perduramo-lo, questionando-nos sobre a razão de tal nos ter sucedido. E esse looping ainda consegue ser mais doloroso do que aquilo que o provocou, alterando a nossa memória. É o síndroma psico-traumático que tornará prisioneiro desse passado de que não se liberta.

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