quarta-feira, abril 04, 2018

(DIM) Cineclube Gandaia: «A Semente do Diabo» de Roman Polanski (1968) - bis


O verão de 1967 ficou para a História como o «Summer of Love» com a cultura hippie a impor os seus valores de Amor, Paz e Rock’n Roll.
Janis Joplin, Jimi Hendrix ou Jim Morrison tornavam-se ídolos de uma geração, que declarava a morte de Deus como algo de irrefutável. A tal ponto que a Time teve então uma das suas mais icónicas capas, precisamente a interrogar-se se esse óbito era um facto incontornável. «A Semente do Mal» vai-se alimentar desse clima contextual em que se punha em causa o papel da religião na sociedade e se impunha a contraceção como um direito das mulheres apesar da indignação com que o Papa reagiu a essa conquista civilizacional.
Mas, no ano seguinte - quando se estreou! - o filme chocaria de frente com um conjunto de factos, que assombrariam os norte-americanos, desde a morte de Luther King (ocorrida precisamente há cinquenta anos) e do senador Robert Kennedy,  até culminar em 1969 nos festivais de Woodstock e Altamont, na ofensiva de Tet e no assassinato de Sharon Tate às mãos de uma seita satanista. Dois anos depois da rodagem do filme o declínio da utopia era um facto e a América tornar-se-ia, até hoje, no espaço dos pesadelos, mais do que dos sonhos.
O que «A Semente do Mal» traduzia era a do carácter asfixiante do dia-a-dia na pessoa de uma dona-de-casa dos anos 60 em vias de ser mãe. Se até então Jacques Tourneur ganhava a palma como o realizador, que melhor soubera sugerir o medo sem nada dar a ver ao espectador (nomeadamente no seu notável «Cat People» de 1942), Polanski superava-o ao prescindir de tudo quanto, nos vinte cinco anos anteriores, tinha constituído a parafernália de ferramentas requeridas pelos cineastas para incutir esse clima de terror nos espectadores. Não existem zonas de claridade a alternarem com as das sombras onde se espera o pior, nem casas assombradas onde ameaças invisíveis horrorizem inocentes ocupantes.
Polanski compreendeu que o medo é um murmúrio, construído ao longo do argumento por sucessivos retoques sem nunca se sair da trivialidade do quotidiano. Consegue ir insuflando uma tensão palpável, crescentemente aflitiva à medida que evolui a gravidez de Rosemary.
Importa enaltecer a banda sonora de Krzysztof Komeda, fundamental para suscitar nos espetadores essa sensação de incómodo quase à beira do paroxístico.
Trata-se, pois, de uma obra, que destrói as convenções e as aparências da burguesia americana, denunciando-lhe o reverso angustiante e demoníaco de um cenário feito de gesso. Constitui o cânone para muitos filmes posteriores, que falhariam ao procurar replicar-lhe a acutilância, revelando que a burguesia constitui uma criação do Diabo ou o seu não menos inquietante reverso.

Sem comentários: