domingo, abril 22, 2018

(AV) Niki de Saint Phalle: os limites da magnificência visual


Alimento reações contraditórias, quando me coloco face-a-face com obras de Niki de Saint-Phalle. As suas imagens exuberantes, de um colorido quase berrante, estimulam o olhar e focalizam-no na forma distorcida como ela representa o corpo humano, sobretudo o feminino, cujas dimensões transbordantes nos levam a associá-las, mesmo que reconhecidamente diferentes, às de Botero.
A própria artista era contraditória, alternando uma personalidade luminosa com momentos sombrios, que tinham-na quase levado ao precipício no início da juventude, quando, classificada de esquizofrénica, passou longa temporada numa instituição psiquiátrica.
Terá sido ali que descobriu a arte, de cujo exercício nunca mais se quis separar. Diria depois em muitas entrevistas ter sido a expressão dessa criatividade na pintura, na escultura e na performances a salvar-lhe a vida. Não tivesse essa catarse e só via outra forma de dar vazão à inesgotável imaginação: ter um parto todos os nove meses.
A vertente excessiva manifestava-se de muitas maneiras. Há relatos de, para uma entrevista televisiva, ter interrompido a conversa por quatro vezes para mudar de indumentária. E quem poderá esquecer a obra imensa em que uma enorme figura feminina expunha-se de pernas abertas, com uma vagina imensa por onde os visitantes eram convidados a entrar?
O feminismo fazia parte do seu discurso, mas a condição de classe - ela era filha de um banqueiro francês de origens aristocráticas e de uma frívola burguesa norte-americana - não lhe permitia associar a reivindicação de igualdade de género à mudança dos padrões sociais suscitados por um sistema económico que potencia a continuidade de uma lógica entre opressores e oprimidos. 
A generosidade estava-lhe, porém, no intimo e foi para oferecer a beleza às pessoas, vistas como uma entidade global e coletiva, que tanto se empenhou na distribuição da obra por diversas latitudes, sobretudo em projetos de Arte Pública, com destaque para o Jardim do Tarô na Toscana, onde, numa vasta propriedade as suas gigantescas estátuas passaram a enquadrar um cenário natural propício à fruição de quem nele aposte cirandar.
E, no entanto, podemo-nos sempre questionar se a arte deve assumir, sobretudo, objetivos estéticos, privando-se de avançar para desígnios transformadores mais ambiciosos...


Sem comentários: