terça-feira, abril 24, 2018

(DL) A História que tanto nos tentaram esconder...


Ouvindo uma entrevista com Richard Zimmler, que explicava ter-se abalançado á escrita de «O Último Cabalista de Lisboa» por ter interpelado um amigo português a respeito do grande massacre de judeus na Lisboa do século XVI e ele de nada saber, surgiram-me algumas reflexões pertinentes, que passo a partilhar.

Esse é, de facto, um dos aspetos mais lamentáveis da forma como a História lusa tem sido prodigalizada a gerações sucessivas de compatriotas. Pinta-se a luta de Afonso Henriques pela independência do Condado pondo-o a ver figuras místicas no céu e até achamos graça à vulgata sobre ter dado uma coça na mãe e no amante. Listam-se as vitórias a sul para derrotar os árabes, omitindo que eles eram bem mais cultos e sofisticados do que os brutais conquistadores, que os iam derrotando apenas movidos pela ganância territorial, mesmo que a coberto de um dos alibis mais fraudulentos, que perdurariam nos séculos seguintes: a expansão da fé cristã.
Às tantas lá nos surge um rei com vistas mais largas e até poeta (D. Dinis), mas logo lhe sucedem um brutamontes  (D. Afonso IV), um bissexual psicopata (D. Pedro I) e um assumido corno (D. Fernando). Mas quase nada dessa sucessiva realidade transparece nas mistificações servidas aos meninos das escolas desde a mais tenra idade. Porque o filet mignon  vem a seguir com a crise de 1383-1385, em que se incensa uma vez mais a beatice de Nuno Álvares Pereira, apesar de também se valorizar o seu génio militar, para esconder o carácter poltrão e medroso de D. João I, que quase teve de ser levado ao colo para se assumir como rei da nova dinastia.
Segue-se então a mistificação-mor: a gesta das Descobertas. Pelintras no continente lá se fizeram os portugueses aos mares atlânticos e índicos para se converterem, ora em trapaceiros do tipo Oliveira de Figueira, ora em carniceiros sem escrúpulos ao jeito de Afonso de Albuquerque. As mais das vezes acabavam armados em pedintes nos sofisticados reinos indochineses fazendo as figuras que Fernão Mendes Pinto descreveria na sua Peregrinação.
Essa «epopeia» que o salazarismo incensou até ao paroxismo persistiu-nos nas mentes ocultando os crimes que se seguiriam: o tráfico de escravos, que deu aos portugueses tão péssima fama, quando o assunto é abordado com seriedade nos fóruns internacionais, e a Inquisição, ainda remanescente hoje em dia no imaginário coletivo nacional, quando se tomam precipitados juízos sobre quem mereceria respeito como presumivelmente inocente e a quem os torquemadas dos jornais e dos tribunais fazem arder em fogo lento na opinião pública.
A nossa História tem menos heróis do que pérfidos trastes e não se compreende porque não é de leitura obrigatória no Plano Nacional respetivo o «Príncipes de Portugal: suas misérias e grandezas» do mestre Aquilino Ribeiro. Talvez alguns compreendessem melhor a naturalidade de vermos no atual pretendente ao inexistente trono português um pacóvio com discursos de atrasado mental.
Se interiorizássemos que temos no ADN defeitos tão graves como o de arranjarmos fáceis bestas a quem odiar (como em tempos se fez com as bruxas e os cristãos-novos)  e sermos complacentes com quem não tem escrúpulos de explorar até aos limites da ganância (os negreiros de hoje reconvertidos em banqueiros e empresários de sucesso) talvez alterássemos o veredito de Almada Negreiros, quando reconhecia existirem qualidades e defeitos em todos os povos, só nos faltando as primeiras...

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