quarta-feira, abril 18, 2018

(DIM) CINECLUBE GANDAIA: «Lua de Mel, Lua de Fel» de Roman Polanski (1992)

Depois de títulos, que pouco lhe acrescentaram à filmografia, por surgirem como esdrúxulos às suas principais características e obsessões («Piratas» e «Frantic»), Polanski regressou à interligação entre a violência e a sexualidade, através de um escritor falhado, que conta a um amigo de circunstância a relação destrutiva, que mantém com a esposa. Assim se comprovando que, se as alegrias do sexo estão ao alcance da abordagem de qualquer um, já outra loiça é cuidar da tristeza e das feridas resultantes do poder exercido sobre alguém, que se começou por amar e só se o conseguiu temporariamente. Porque, enquanto perdura o desejo, tudo corre sobre rodas, fazendo crer aos dois envolvidos que os êxtases são únicos e inesquecíveis. O pior decorre de perderem intensidade com a repetição.  Chega então o tédio, o cansaço, que se tenta disfarçar com disfarces ridículos capazes de suscitarem o riso, momentâneo substituto do perdido desejo.
É efeito de curta duração, porque segue-se a dor, sobretudo quando outros são convocados para participar no jogo de massacre. O filme começa precisamente aí, quando o desenlace já se aproxima para Mimi e Oscar. O ambiente é o de um navio de cruzeiros e o par em fase autodestrutiva, apossa-se de um outro, igualmente dissociado dos fervores dos primeiros anos de conjugalidade. Nigel, essa vítima anunciada, desconhece tudo sobre a perversidade, nomeadamente da que, insuspeitamente, alberga dentro de si. Tal como nós, sentados na plateia, armados em voyeurs, é assim que ele se sente à medida que Oscar lhe vai contando a sua história com Mimi. Já a mulher, Fiona, sente menos escrúpulos em deixar-se arrastar para a novidade, que lhe propõem.
Pressentindo o quanto de mal são comporta a amizade com Oscar, Nigel procura furtar-se a ela, mas em vão: o relato oral do amigo (verdadeira obra literária, que ele nunca encontrara engenho para debitar com a mesma competência na escrita!) atrai-o para esse camarote com a força de um irresistível imã. Detalhadamente, Oscar conta o passado, as paixões, as humilhações dadas e recebidas. Estamos perante a dissecação da relação amorosa, com os personagens convertidos em marionetas sujeitas à observação de quem as olha de fora. Do ecrã, entenda-se…
A arte de Polanski está aí: em tomar-nos por voyeurs, mas quase nada nos dando a ver, sugerindo em vez de o explicitar. As elipses substituem as cenas ousadas, que Polanski se priva de no-las mostrar. Mesmo que nos permita surpreender Nigel a espreitar pelo buraco da fechadura para ver um casal que se mata por prazer, mas cujo prazer acaba por matar.
O filme é sobre a queda no abismo de dois corpos. Por causa do Desejo, da Posse, da Tortura, da Destruição. Numa rota clara e precisa servida por uma realização canónica, que tudo transforma numa farsa tragicómica isenta de juízos morais...

Sem comentários: