quarta-feira, abril 11, 2018

(DIM) CINECLUBE GANDAIA - «Por Favor Não me Mordam o Pescoço» de Roman Polanski (II)


Em «Por Favor Não me Mordam o Pescoço» Roman Polanski assume a influência do cinema fantástico britânico, mesmo insuflando uma vertente humanista nos personagens sobrenaturais. Em vez de apenas lhes respeitar as características estereotipadas de solitários bebedores de sangue, avessos a enfrentarem a luz do dia, complementa-os com especificidades identitárias: um é homossexual, outro surdo, outro judeu. Ademais são vampiros desejosos de sociabilizarem, mostrando prazer no convívio com os seus iguais e até se comprazendo num bem concorrido baile. E, cereja em cima do bolo, o epílogo é irónico na negação do happy end por que anseiam quase todos os que se sentam nas plateias.
A beleza do filme decorre dos seus eficientes contrastes: entre a cor branca e a vermelha na fotografia, entre o albergue pitoresco, com o seu folclore judaico, e o castelo dos aristocratas, entre o gelo exterior e os vapores da cena do banho. Mas a dualidade também se verifica nos personagens: ao hoteleiro libidinoso contrapõe-se o sofisticado conde von Krolock, à erudição do professor corresponde o romantismo ingénuo do seu assistente. Alfred prefere o amor cortês e as leis tortuosas do imaginário aos preceitos científicos: enquanto Abronsius quer esclarecer os mistérios do vampirismo, Alfred prefere seguir pelos corredores sem fim do castelo, atraído pela canção entoada por Sarah. Rimo-nos do mestre, que nos lembra Einstein, mas torcemos pelo sucesso do discípulo. Polanski vai sabotando os códigos simbólicos do género e recorre ao efeito de surpresa para suscitar o medo. De facto, o filme brinca com a possibilidade de atemorizar o espectador. Nas cenas dentro do castelo Polanski alterna os planos fechados com pouca profundidade de campo para criar a sensação de clausura e a câmara desliza pelas paredes da fortaleza para nos conduzir à sua arquitetura labiríntica.
São muitas as cenas de antologia: a cena do baile com os pálidos convidados a ostentarem velhas perucas. O minueto dançado ao som do cravo antes das ávidas dentadas nos pescoços dos novos recrutas. Ou a cena do banho, que precede o rapto de Sarah. O filme inventa uma histórias de portas que se franqueiam, se entreabrem ou se fecham com estrondo. Sarah escapa a Alfred porque ele não ousou espreita-la pelo buraco da fechadura. Polanski fala-nos da transgressão, de uma curiosidade deslocada e do irresistível impulso para ver. Por isso o Conde von Krolock diz aos protagonistas que eles “têm uma forma esquisita de forçarem a porta do seu castelo”.
A exemplo do número de circo que Alfred e o mestre executam no teto gelado do castelo, Polanski consegue equilibrar o medo com o riso.

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