terça-feira, abril 03, 2018

(DL) «Manobras de Guerrilha» de Bruno Vieira Amaral (II)


Ao referir a pouca estima, que Susan Sontag manifesta por Albert Camus num seu ensaio de 1963, Bruno Vieira do Amaral, dá conta dela o entender como literariamente um «marido» e não um «amante». Porque a explanação de uma moral, que o terá tornado tão amado  por muitos dos seus leitores não encontra equivalente numa qualidade no tratamento das palavras e das frases, que justificassem tal paixão.
O que me incomoda na abordagem de BVA é tomar Céline como contraexemplo, embora se o entenda no sentido de ter sido um crápula, embora escrevesse maravilhosamente bem segundo alguns. Não me basta, porém, que dele se diga ter sido um niilista: o autor de «Voyage au bout de la nuit» merece ser execrado, liminarmente esquecido de todas as antologias e histórias da Literatura, por, no momento de escolher entre a apatia cobarde, a grandeza do martírio ou a perversa bajulação, tenha escolhido esta última, passando boa parte da Ocupação nazi de França a redigir manifestos abjetos justificativos do Holocausto, mesmo que não se soubesse ainda a que dimensão Hitler conduzira a eliminação dos judeus. A polémica que, recentemente, teve por fulcro a possível reedição desses textos sinistros, demonstrou que, apesar de haver quem insista em recuperar Céline para a órbita dos escritores canónicos, sobrará sempre quem nunca deixará de lembrar a cumplicidade objetiva com os autores materiais dos crimes perpetrados nos campos de concentração.
Pessoalmente também não tenho particular estima pela obra de Camus, mesmo reconhecendo quão gratas foram as leituras de alguns dos seus romances. Sobretudo «A Peste» ou «O Estrangeiro», que me deslumbraram no final da adolescência. (mas não é essa uma acusação consistente sobre a sua obra, a de ser preferencialmente endereçada a jovens sequiosos de encontrarem orientação nas suas ideias?). Em determinada altura aconteceu-me o mesmo que em altura posterior me colocou perante a  escolha exclusiva entre as obras de Saramago e de Lobo Antunes. Se um e outro me tinham merecido igual entusiasmo, a inveja execrável do autor de «A Memória do Elefante» fez-me arrumar os romances publicados já neste século na fila dos descartáveis. Ora entre Camus e Sartre vira-me na mesma situação: apreciar um equivalia quase obrigatoriamente a execrar o outro. Ora a personalidade de Sartre mereceu-me bem maior consideração do que a de quem, na sua época, serviu de bandeira ao anticomunismo primário, muito embora os seus argumentos fossem fundamentados segundo uma lógica em grande parte irrefutável. É esse dissociar da obra da utilização dela feita em tempos, que já lá vão, que me leva a considerar a forte hipótese de regressar aos textos literários e filosóficos de Camus, mesmo preferindo-lhe por certo os do autor de «O Diabo e o Bom Deus». Mas a caracterização de Sontag acompanhar-me-á por certo na relativização dos seus méritos.

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