À partida tudo começara com uma conversa entre Sérgio e Marceline Loridan Ivens, que lhe confessara o quanto gostaria de voltar à China, onde andara décadas atrás com o marido Joris, dali trazendo algumas das imagens cinematográficas mais icónicas do maoísmo no seu esplendor. Perante o medo de andar de avião, o realizador sugeriu-lhe a viagem no Transiberiano.
Foi o clic para imaginar a viagem de uma velha senhora nesse mesmo comboio onde se encontra com os fantasmas do seu passado, todos eles relacionados com os campos de extermínio: Auschwitz, Dachau, Treblinka.
Refletidos pelos vidros da composição em movimento, diversas vítimas de um passado, que se pretendia irrepetível, recordam as sucessivas provações dos que desapareceram no Holocausto: os comboios atafulhados, o frio, o medo, a fome, a ilusão de uma qualquer forma de sobreviver e o terror dos últimos instantes, quando as válvulas do zyklon B eram abertas.
O filme, de apenas uma hora, é extremamente bonito, suscitando sempre a controvérsia sobre a legitimidade de se estetizar o horror? Mas a resposta pode e deve ser sempre a mesma: porque não se contribuir para melhor realçar o quão inaceitável ele era?
Até porque Tréfaut - muito pessimista quanto ao presente e ao futuro - quer realçar que, em vez de não se repetir, o extermínio massivo de populações tem prosseguido desde então, bastando olhar para os massacres no Camboja, na antiga Jugoslávia, no Ruanda ou, atualmente, na Síria. Como se a pulsão do ser humano para destruir o seu semelhante não conseguisse ser contida.
Rejeitando uma perspetiva tão negra quanto ao que a Humanidade está destinada, não posso deixar de reconhecer a pertinência deste filme, que bem merecerá ganhar o Prémio dos que concorreram na Competição Nacional do Indie deste ano.
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