Nos últimos dias Deus tem vindo frequentemente ao meu encontro. Começou com o texto de Valter Hugo Mãe no «JL» a insurgir-se contra esse deus fanatizado e vingativo culpado por tanto sofrimento à conta do terrorismo nele fundamentado.
Foi depois o filme de James Marsh sobre Stephen Hawking, cujo ateísmo impenitente decorre da fórmula segundo a qual não há entidade divina capaz de caber em nenhuma equação da Física.
Seguiram-se duas boas almas, que andavam a pregar a sua crença em Jeová de porta-em-porta e deram comigo disposto a aturá-las. Porém, quando uma delas começou a revelar estranha empatia com a noção de Saramago sobre o que (não) existe além da morte ou com a evocação do Padre Sobral que, na minha adolescência, facultou-me os argumentos necessários para descrer de qualquer deus, a parceira decidiu despedir-se à pressa, temerosa de, em vez de ganhar um novo prosélito, perder a sua companheira de evangelização.
E reencontrei, enfim, a autobiografia do biólogo francês François Jacob, premiado em 1965 com o Nobel da Medicina. Começara-a a ler há uma semana, mas a exagerada ocupação com alguns compromissos sociais, privou-me do ensejo de avançar tanto nessa leitura como desejara.
Ora, ainda na abordagem da sua adolescência, o narrador conta como, de súbito, teve uma epifania ao contrário: na sinagoga onde assistia a uma cerimónia religiosa concordante com a tradição da família, pôs a si mesmo a hipótese de tudo aquilo não passar de uma farsa. E essa possibilidade vincou-se-lhe na mente como uma evidência inquestionável.
O capítulo seguinte, o terceiro, começa então assim:
“Se Deus não existia, era preciso passar sem ele. Esvaziado o céu, havia uma terra a preencher e cabia a mim preenchê-la. Um mundo a construir e cabia a mim construí-lo. Esta impressão fora ainda fortifi cada pelo meu avô Franck, pouco antes da sua morte. A última vez que o vi foi em Dijon, pelas férias do Natal. Já doente, respirava com dificuldade e tossia muito. Insistira, uma vez mais, em levar-me a buscar livros a casa do seu velho amigo livreiro. Livros preparados por ele, cuidadosamente escolhidos. Ao voltar para casa com a sua comprida gabardina cinzenta e o seu chapéu mole, caminhava a custo. De repente começou a falar da morte e do além. «As pessoas são crianças», bramiu, precisam de crenças, de ilusões. A ilusão da esperança. Sem esperança não se pode passar. Mas é preciso saber onde colocá-la. Para colocar o seu dinheiro, as pessoas afadigam-se, informam-se, não se deixam levar. Mas a esperança, colocam-na onde calha. Depois da morte não há nada, compreendes? Nada. O meu avô deteve-se. Pegou na minha mão e olhou-me. «Não há nada», repetia. «Nada. O nada. Por isso a esperança, para mim, és tu. Tu e os filhos que tiveres.» Agarrava-me a mão com tanta força e tinha os olhos tão carregados de emoção que fiquei com um nó na garganta e não fui capaz de dizer palavra.”
Era essa, igualmente, a opinião do nosso Nobel da Literatura, quando questionado por Miguel Gonçalves Mendes em «José e Pilar», tendo a paisagem vulcânica de Lanzarote como fundo: agora estamos aqui e depois deixamos de estar!
É essa a melhor definição sobre o significado da morte!
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