Um dos filmes, que me deixou recordação mais memorável do fim da adolescência foi «Aguirre, a Cólera dos Deuses» de Werner Herzog, que vi pela primeira vez no Instituto Alemão, quando a instituição do Campo dos Mártires da Pátria constituía um oásis de bom cinema não censurado na Lisboa da época marcelista.
Herzog retomou o mesmo ator - Klaus Kinski - e o mesmo cenário amazónico em «Fitzcarraldo», mas o resultado não chegou a ser tão fascinante, quanto conseguira com a história situada na época dos conquistadores espanhóis.
Entre o realizador alemão e Ciro Guerra de quem pudemos agora ver «O Abraço da Serpente», surge logo a diferença entre o recurso à cor e ao preto-e-branco. A Francisco Ferreira, do «Expresso», o colombiano justificou a opção, que pretende ir além do óbvio efeito estético: “A cores, tombaríamos num exotismo que desqualificaria o filme e o despiria dos seus mistérios, numa espécie de folclore que é também uma forma de violência. A Amazónia do meu filme não é real, que isto fique claro. É uma Amazónia inventada que convida a imaginação do espectador. Para eles, para aquela cultura, a imaginação é mais importante do que o facto histórico.”
Muito embora as críticas ao filme acentuem a intenção de sermos espantados com a beleza de certos fotogramas - conseguindo-o deveras, porque, amiúde, «O Abraço da Serpente» consegue ser lindíssimo em certos momentos! - delas discordo pelo facto de não nos inibirem do essencial: o respeito pelas populações ameríndias, cujo massacre foi tão ou mais execrável quanto o Holocausto dos judeus.
Há plena justificação para que o xamã Karamakate tenha uma profunda desconfiança relativamente aos brancos, que considera responsáveis pela extinção do seu povo.
A floresta, que se sabe lugar sagrado para quem ali sempre viveu, foi invadida pela ganância dos brancos, que exploram a borracha com recurso ao trabalho escravo dos índios. E cabe, igualmente, denunciar a Igreja, que exercia o seu proselitismo à custa de chicotadas aos renitentes em render-se ao catolicismo, bem como os alucinados personagens conradianos, capazes de se proclamarem reis ou messias em cortes transformadas em insólitas orgias.
Ao misticismo aqui evocado não nos cabe compreendê-lo, por muito que suspeitemos do simbolismo do jaguar ou da serpente: a exemplo dos exploradores brancos, que sobem o rio em busca de uma planta com o seu quê de Graal, nada conseguimos apreender do seu profundo significado. Nem interessa que isso ocorra!
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