Markus Rediker é um dos mais interessantes historiadores norte-americanos, porque assume a importância de uma leitura marxista dos factos sem a qual decerto eles seriam interpretados de forma muito incompleta. Esse posicionamento deve-o bastante ao nascimento numa família operária do Kentucky em 1951 e a uma vida dedicada não só aos estudos académicos - é professor na Universidade de Pittsburgh - mas também ao ativismo político.
Tendo-se especializado na história marítima, ele procurou compreender como se desenvolveram os sistemas de exploração nas travessias atlânticas a partir do século XVI e como os oprimidos tudo fizeram para deles de libertarem.
A revolta dos escravos do «Amistad», que partiu de Cuba em 1839, é um episódio tão famoso, que Spielberg decidiu transformá-la em filme. Ao tomarem conta do navio, os escravos pretendiam regressar à sua terra natal, na atual Serra Leoa, mas foram acostar ao Connecticut onde foram presos.
Iniciou-se, então, um debate, que polarizou a América de então: se para os esclavagistas só uma punição exemplar poderia evitar que outros oprimidos pudessem imitar os sediciosos numa tão óbvia rejeição da autoridade dos negreiros, crescia o movimento abolicionista decidido a pôr cobro a uma tão flagrante violação dos mais elementares direitos humanos.
No filme, Spielberg enfatizou o papel desses militantes brancos dispostos a fazer da batalha jurídica um momento determinante na luta mais vasta pela abolição definitiva da escravatura. E a decisão do Supremo Tribunal, que mandou libertar os escravos constituiu um ponto de viragem, que tornava irreversível a tendência só definitivamente esclarecida com a Guerra Civil.
Rediker toma outra opção, preferindo abordar o outro lado da mesma história ao descrever o dia-a-dia de um combate em várias frentes: uma semana depois da chegada ao Connecticut já a história era contada na Broadway e Cinqué, o líder dos escravos, era representado em quadros de pintores fascinados pelo seu carisma. Mas Rediker interessa-se, sobretudo, pela pertença de vários dos amotinados ao Poro, uma sociedade secreta com papel decisivo na organização política das tribos da África Ocidental. Eram guerreiros tenazes, conhecidos pelas suas tatuagens, e que tinham por hábito analisar coletivamente os problemas e decidir em conjunto as soluções. Explica-se assim o sucesso do motim, que nada teve a ver com uma súbita explosão de violência, mas antes a expressão de uma vontade política bem determinada.
O que Rediker quer provar com o seu livro é que os oprimidos possuem a capacidade para se libertarem sem estarem á espera dos “benfeitores”, que a tal se proponham.
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