Desde John Ford que registamos o conselho de preferirmos a lenda, quando ela é bem mais interessante do que a realidade. E isso ajusta-se ao documentário «Atlantis Found» produzido pelo History Channel no ano transato e que tem por apresentador o geólogo Martin Pepper.
Logo de início ele diz-nos ao que vem: de uma vez por todas vai-nos mostrar onde ficava a mítica cidade da época minoica, que Platão imortalizou em dois diálogos, o de Timeu e o de Critias.
É claro que Pepper nem sequer coloca a possibilidade da Atlântida ser produto da imaginação do filósofo grego que, nessa evocação, encontraria matéria para explanar a sua filosofia sobre a futilidade da vaidade humana. Nem equacionou a mera contingência de, tendo efabulado sobre ela mais de mil anos depois do seu suposto desaparecimento, a descrição em causa fosse suficientemente rigorosa para definir uma check list a ser aferida na comparação das diversas candidaturas à condição de antiga Atlântida.
A hora e meia que se segue é a do exemplo lapidar de certos lunáticos que se não veem as suas teorias coincidirem com a realidade, e a distorcem o suficiente para que pareça conformar-se com o pretendido.
Eu, que gostei imenso de Santorini, até me servi do documentário para regressar momentaneamente a um dos lugares mais bonitos que conheci e onde não me importaria nada de voltar. Mas Pepper omite totalmente as referências de Platão à existência de elefantes e de um metal singular, o auricalco, de que as pesquisas arqueológicas não encontraram qualquer vestígio. Assim como invoca um relato da explosão de Thera (o antigo nome de Santorini) como tendo ocorrido no reinado do faraó Ahmose I, que viveu um século depois e quanto muito terá ouvido memórias do sucedido.
Mas o mais anedótico no filme é o facto de existir uma tal obsessão do History Channel com o nazismo que, às três pancadas, Pepper vai às Canárias filmar as múmias dos guanches e lembrar que Himmler considerou-as como evidências do povo dos Atlantes, uns brancos altos, louros e espadaúdos, que teriam estado na origem dos arianos.
Olhado como filme de ficção, «Atlantis Found» tem alguma piada muito embora incomodem as sucessivas repetições motivadas pelo facto de se destinar a ser apresentado entre enormes hiatos com anúncios publicitários, que podem levar o espectador americano a perder-se no fio condutor da narrativa. Mas, obviamente, que a verdade histórica não passa por aqui. Nesse sentido este tipo de documentário está para a História como as invenções de um antigo ministro salazarista autopromovido a «historiador» para o que efetivamente ocorrera nos temas por si escolhidos.
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