Lembramo-nos da história por a termos visto no épico «Lawrence da Arábia» e constituir a razão principal para a deceção do protagonista: as esperanças frustradas de Faiçal em reinar na Grande Síria por causa das pretensões francesas à vasta região hoje correspondente ao país de Assad e ao Líbano.
Como agente da espionagem inglesa, Lawrence incitara as populações árabes a revoltarem-se contra o domínio turco e assim facilitarem a derrota alemã na Primeira Guerra Mundial. No Verão de 1916, numa das primeiras manifestações do nacionalismo árabe, Faiçal encabeçou a revolta contra os Otomanos, que permitiria a entrada triunfal do general Allenby em Damasco no dia 1 de outubro de 1918.
Em julho de 1920, na sequência dos acordos entre os vencedores na Conferência de Paz de Paris em 1920, e sobretudo na de San Remo, os franceses ocuparam aquela capital árabe e expulsaram Faiçal, que já ali reinava e não teve outra alternativa, que não a de exilar-se em Londres.
Para o mundo árabe a traição ocidental às suas aspirações independentistas não deixaria de ter reflexos em tudo quanto se seguiria durante o século XX.
Em setembro de 1920 os franceses iludiram-se com a capacidade em criarem uma colónia com a capital em Beirute e abarcando as cidades costeiras de Trípoli e Tiro, onde coexistiriam as comunidades católicas, sunitas e xiitas numa partilha de responsabilidades políticas. Por essa altura em Istambul, os derrotados da guerra, tinham de aceitar que os ocupantes britânicos, franceses e italianos os espoliassem de uma grande parte do território ainda sob domínio do Império antes da I Guerra: a Síria, o Líbano, a Galileia e a Palestina. Nesta última os ingleses começaram a preparar a instalação de judeus ansiosos por escaparem aos progroms do leste europeu. A Declaração de Lord Balfour, de 1917, já era explicita quanto a essa intenção negociada com o Movimento Sionista.
Jerusalém, onde as diferentes comunidades tinham convivido pacificamente até então, foi dividida entre elas, suscitando nova revolta árabe, violentamente reprimida. Os sectarismos fanatizados tiveram aí a sua origem, sucedendo-se os milhares de mortos nas guerras que se seguiriam na região. E sem parecerem ter algum dia o seu fim…
Para tentarem apaziguar as tensões tribais, os britânicos acabaram por entregar a Abdullah, o irmão de Faiçal, toda a Transjordânia, muito embora só lhe reconhecessem a independência em 1946. Ao lado, na Mesopotâmia, a revolta também irrompe como consequência da falta de pagamento às tribos de acordo com o prometido pelos ocupantes e Churchill convoca uma Conferência de emergência para lhes dar uma solução.
Gertrude Bell, uma espia britânica, que se instalara na região a coberto das atividades de arqueóloga, propõs a criação de um reino por toda a região hoje coberta pelo Iraque e atribuindo-o ao exilado Faiçal, apesar de ele desconhecer totalmente essas populações, que estava convidado a liderar.
Foi assim que, em 1921, Faiçal foi empossado como rei do Iraque ao som de «God Save the Queen» dado não existir ainda um hino nacional. E rapidamente ele compreendeu que só pela força conseguiria reinar sobre xiitas, sunitas e curdos. Tanto mais que estes últimos viam negada a possibilidade de terem o seu próprio Estado conforme ficara ajustado no Tratado de Sèvres.
A revolta dos Jovens Turcos liderados por Kemal Ataturk teve como fundamento a rejeição das linhas gerais desse tratado e traduziu-se na conquista de Esmirna em setembro de 1922, onde toda a população grega é massacrada. O sultão, Mehmet VI, foi obrigado a exilar-se, naquele que foi o derradeiro momento do Império Otomano.
Implantando a República laica, Ataturk viu-se reconhecido pelas potências ocidentais como o novo rosto da moderna Turquia, donde todas as comunidades gregas foram expulsas, e onde se acolheram as muçulmanas provenientes da Grécia.
Uma das consequências mais drásticas da I Guerra Mundial ficava assim explicitada: não coincidindo os novos Estados-Nações com a respetivas fronteiras, muitas das suas populações foram obrigadas a exiliar-se nos países vizinhos. Séculos de convivência e respeito mútuos davam lugar a ódios xenófobos.
Em 2003 a invasão americana pôs fim ao precário equilíbrio projetado por Gertrude Bell para a região e, em particular, para o Iraque: o exército, até então dominado pelos sunitas, foi reestruturado de forma a ter os xiitas a liderarem-no numa demonstração da incapacidade de uns e de outros para aprenderem com os seus erros. O resultado foi o surgimento do Daesh que, em 2014, reivindicou o fim das fronteiras artificiais criadas um século antes.
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