Há muito que me dei conta da estranha coincidência de um livro ou um filme virem ao encontro de inquietações de que me sinta tomado em certas alturas. Ora, «A Estátua Interior», a autobiografia de François Jacob, foi publicada há quase trinta anos e começa logo por um dos temas que estão na nossa ordem do dia: a morte assistida.
Ele evoca um companheiro de luta na Resistência, que lhe aparecera no Instituto Pasteur a sondá-lo para a hipótese de o ajudar a morrer dado o atroz sofrimento causado pela doença incurável. Muitos anos depois ele ainda o recorda, sobretudo, com a culpa de ter sido cobarde nesse momento, fazendo-se desentendido quanto ao pretendido por tal amigo.
Mais adiante lembra, igualmente, a avó, conhecida como «a Generala», pela sua admirável e forte personalidade, mas cujo final fora patético, perdida no tempo e no espaço sem reconhecer quem a rodeava.
São esses e outros exemplos que levavam, então, o Prémio Nobel da Medicina a escrever:
“A morte, o desaparecimento, a passagem, como se costuma dizer: «ele passou», é preciso esquecê-lo. Na existência de cada dia, no comportamento físico, é impossível viver como um condenado à morte. Mas se não somos responsáveis pelo nosso nascimento, somo-lo, de certa maneira, pela nossa morte. O que não se pode esquecer é o medo de ter medo. É a repulsa de nos tornarmos repulsivos. A impotência para evitar a impotência. E também o terror de se ser dominado como uma criança, de se deixar manipular. A obsessão de nos tornarmos outros que não quem somos, de pensarmos de modo diferente e até de deixarmos completamente de pensar. Além disso, o pesadelo de ter de suportar, de ser agido sem poder reagir, nem explicar-se, nem sequer pedir. Em suma, o espectro do vegetal. Neste ponto reaparecem Sócrates e Cleópatra. Neste ponto o veneno perde o seu carácter desleal para se tornar um aliado. Como durante a guerra, na Resistência, para não falar da tortura. A dificuldade: escolher o momento. Cedo de mais, é estúpido. Tarde de mais, é impossível. E colocar esta alternativa talvez já seja fugir-lhe. Neste domínio, não existe momento perfeito.”
É na questão desse tal momento perfeito que lembro «Still Alice», o filme de Richard Glatzer em que Julianne Moore é inesquecível no papel de uma professora de linguística acometida da doença de Alzheimer.
Mulher inteligente, ela prepara tudo para, no momento certo, e com recurso a cábulas, ingerir os comprimidos capazes de lhe darem o bel morir. E o seu desespero é o de saber imperiosa a necessidade de pôr fim ao sofrimento íntimo e ter esperado tempo de mais para que o conseguisse fazer por si mesma.
Sendo uma das questões, sobre que importará legislar, mesmo contra os que, na Igreja ou na Ordem dos Médicos, se acham com direitos sobre disporem da nossa vontade relativamente ao nosso corpo, a morte assistida, e até mesmo a eutanásia a pedido do interessado, é algo que tenho como a conquista de um direito fundamental.
Porque, apesar de estar a viver uma das fases mais felizes da minha vida, entrarei em breve nos sessentas e só quero existir enquanto isso valer mesmo a pena.
1 comentário:
Li na horizontal. Deu para ver do que o artigo fala.Passo ao lado , vou em frente. Para que estar a pre(ocupar-me). Seja o que Deus quiser. Sim tenho fé.Mas entendo quem tenha outra posição em relação a esta matéria ( que nem de matéria se trata) no mais estrito da dialéctica. Até já existem decretos lei publicados para quem quer agir em caso de infortúnios. A Vida é tão bela, porquê estarmos a ver o outro lado. A minha vida sempre se pautou por uma fuga para a frente, e vou continuar a fazê-lo enquanto puder.
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