Antes do genérico do filme aparecer temos uma situação típica do filme de terror: à noite uma rapariga desloca-se a pé por uma zona desértica quando começa a ser perseguida não se sabe por quem. Após uma breve tentativa de fuga acaba assassinada.
O filme de Anita Rocha da Silveira logo desmente a filiação no género em causa, porque a preocupação é outra: a classe média brasileira, que viu melhorado o seu padrão de vida nos últimos anos, comprou apartamentos novos em zonas periféricas das grandes cidades e deixou os filhos quase entregues a si mesmos durante grande parte do dia. Por isso este é um filme interpretado quase exclusivamente por adolescentes, que passam o tempo entre a escola, as festas de amigos e as sessões da igreja evangélica local. Trata-se, pois, de uma visão do Brasil muito elucidativa sobre a realidade política presente.
Bia, a protagonista, alimenta uma obsessão macabra pelos crimes, que se vão sucedendo nas redondezas e sobre os quais discute incessantemente com os amigos. Há algo de excitante nesse lado salvagem da vida, que ajuda a enganar o tédio e as frustrações amorosas. O namorado, por exemplo, assusta-se com as suas exigências sexuais, porque acredita piamente na mensagem religiosa de se manterem virgens até ao casamento. Por isso troca-a sem pejo por outra colega, que se mostra disposta a cumprir todos os estereótipos femininos que ele ansiará encontrar na «fada do lar» com que vier a casar.
Mas a insatisfação de Bia e o fascínio pelo que possa significar algo de diferente está eloquentemente representado no final, que lembra os filmes de zombies de George Romero. Subitamente, do campo aparentemente deserto, adjacente ao Bairro da Tijuca, ela levanta-se depois de uma noite ali passada à espera do assassino, e, paulatinamente, vão-se levantando outros adolescentes, também eles, movidos pela mesma intenção de viverem uma experiência capaz de os livrar do torpor dos seus dias.
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