Na abordagem ao romance de John Banville comecemos por recordar que se trata da narrativa de um velho, acabado de enviuvar, e disposto a reencontrar a infância alojando-se como hóspede na casa aonde conhecera o seu primeiro amor.
Essa excitação de quem acabara de chegar à puberdade foi suscitada por Connie Grace, a mãe dos miúdos com quem andava a brincar nesse distante verão, Chloe e Myles.
Sobre ela evoca: “é o lado mortal dela, e não o divino que continua a brilhar para mim, ainda que com um brilho embaciado, no meio das sombras do passado desaparecido. Na minha memória, ela é a encarnação, o avatar de si mesma. O que é mais real, a mulher reclinada no espaço relvado das minhas recordações, ou a poeira e os ossos ressequidos que é tudo o que a Terra conserva dela para sempre?” (pág. 76).
Essa paixão acaba por ser de muito curta duração, porque o jovem Max depressa se entusiasma com as oportunidades propiciadas por Chloe nos jogos eróticos cuja pertinência começa a descobrir como obsessivos.
“Chloe, Myles e eu passávamos a maior parte do dia no mar. (...) Conseguia percorrer grandes distâncias sem parar, o que fazia com frequência, desde que tivesse audiência, agitando os braços em braçadas firmes até me sentir esgotado e esgotar a paciência dos mirones na praia”. (pág. 87)
Basta o estímulo para visualizar estas revelações do narrador para eu próprio me deixar embalar pelas que vivi na adolescência. Existe, nesse aspeto, um paralelismo entre a minha idade atual e a de Max enquanto narrador desse longínquo passado, para o qual ele também me remete. Quão distantes vão esses tempos em que, com dois amigos, nem sequer pensávamos nos riscos e nas consequências e partíamos da margem para avançarmos oceano adentro até vermos os prédios da Costa da Caparica lá muito para trás.
A decisão do regresso tinha a ver com o súbito arrefecimento do corpo causado por correntes mais frias, que não sentíamos capazes de nos arrastarem para além de onde nos encontrávamos.
Era um tempo em que os nadadores-salvadores davam mais liberdade a quem se aventurava fora de pé e possibilitavam a sensação de não se criarem limites ao desejo de sempre nos superarmos. E saber que, meio século passado, me limito a ir uns minutos ao banho dar uns breves mergulhos , ficando o resto do dia de praia à sombra do coqueiro.
No romance Max irá conhecer a experiência do primeiro beijo na sala escura do cinema da aldeia: “Os lábios de Chloe estavam frios e secos. Senti o gosto da sua respiração premente. Quando, por fim, com um estranho suspiro sibilante afastou o rosto do meu, senti uma luz tremeluzente percorrer-me a espinha como se alguma coisa quente se tivesse subitamente liquefeito e escorresse ao longo dela”. (pág. 92)
Sinceramente nunca tinha lido tão original descrição da primeira vez que um protagonista terá sentido os lábios de quem lhe prodigalizava o primeiro amor.
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