Neste treze de outubro o Restaurante O Bispo do Seixal permitiu-nos viver mais uma experiência intensa como vem sendo costume nas iniciativas ali organizadas pelo Vítor Sarmento.
Desta feita o convite era para jantar e ficarmos ali à conversa com José Mário Branco através da intermediação do Cândido Mota. E o resultado foi só dali sairmos quase à uma da manhã, depois de ouvirmos muitas evocações de todo o seu percurso biográfico e da obra artística, que lhe serviu de testemunho.
Haveria muito a reter dessas quase quatro horas de balanço das ilusões perdidas, mas também da necessidade de delas não prescindir definitivamente, porque haverá sempre, que continuar a reencontrá-las, reinventá-las e reimplantá-las nos nossos quotidianos. Mas fico-me por quatro momentos, que mais me sugestionaram e que tratarei em outros tantos textos.
O primeiro tem a ver com a necessidade de não desistirmos das nossas utopias e por isso José Mário Branco recorda aquele cientista que andou anos a anos a procurar a cura para uma das mais terríveis doenças de então e todas as manhãs retomava as tentativas destinadas a ter o almejado sucesso.
Aí pela seiscentésima tentativa julgou encontrar a almejada solução, mas foi mais uma ilusão vencida. No entanto, a persistência tê-lo-á feito chegar ao objetivo após mais de novecentas tentativas.
Assim deve ser a luta pela cura da doença desta sociedade, afetada pela lepra capitalista. Há quase cento e setenta anos, que adivinhamos que ela passará pelo socialismo, mas as dezenas de tentativas ensaiadas para o levar por diante um pouco por todo o lado não resultaram. Algumas delas deram ensejo aquele ditado segundo o qual se o doente não morre da doença, acaba por sucumbir à cura. E foi isso que sucedeu na União Soviética ou está em vias de suceder na Venezuela.
Mas, como diria Samuel Beckett, “tentaste sempre. Sempre falhaste. Não te apoquentes. Tenta de novo. Falha de novo. Falha melhor."
A solução não passa por aceitarmos que nos façam cúmplices de falhanços com os quais nada tivemos a haver, tenham eles ocorrido em Moscovo, em Pequim, em Phnom Penh ou em Havana. Nem devemos permitir que nos atirem em cara esses insucessos quando, os que deles nos querem comprometer, têm às costas a responsabilidade moral pelo que se passou no Chile em 1973, um pouco por toda a América Latina nesses anos da Operação Condor, os crimes franquistas e salazaristas durante várias décadas do século XX ou os da Indonésia em 1965.
Porque anda gente que se diz de esquerda a falar dos crimes de Estaline e se cala com os que sucessivas Administrações norte-americanas promoveram à pala dos sucessivos golpes onde a CIA teve papel tão determinante?
Porque ganharam vergonha pelo termo «Socialismo» e se acobardam por trás da expressão «social-democracia», que contem nela tanta mixórdia, que até Passos Coelho dela se proclama?
O que José Mário Branco lembra é que se percorremos já tão longo caminho para aqui chegarmos, um outro não menos difícil haverá que sulcar até alcançarmos a vitória da Humanidade contra os seus piores inimigos, os que no seu seio anseiam por manter a indignidade da exploração e da desigualdade.
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