As circunstâncias têm-me feito revisitar, através de filmes singulares, a literatura, que causou impacto na América da segunda metade do século XX. Se «Set Fire to the Stars» ilustrara o universo de inócua irreverência de Dylan Thomas, «Vício Intrínseco» convida-nos para o de Thomas Pynchon, um dos expoentes da cultura psicadélica, traduzida em romances confusos e estranhos. Alguns afiançam que, absolutamente, ilegíveis.
Um dos motivos para o filme de Paul Thomas Anderson ter conhecido um enorme flop comercial teve a ver com essa incapacidade de discernir o que é supostamente real na história de um detetive à procura de um milionário raptado e o que decorre das mentes alucinadas de todos quantos vão aparecendo no ecrã.
É que os personagens comprazem-se tão deleitadamente nas suas experiências alucinogénias que esse filtro, entre o que parece acontecer deveras e o que serão meras cogitações mentais, só pode ser o de ter mais ou menos coerência. Porque, no meio de judeus e militantes do black power, que têm negócios em conjunto com os nazis da Irmandade Ariana, associando-se uns e outros a polícias que lambem gelados como se fizessem fellatios e toda uma caterva de personagens excêntricas, que vão morrendo com incrível facilidade, é difícil concluir algum juízo moral, que nos permita compreender quem aqui são os bons ou os mauzões da estória.
Se vi tudo isso com a complacência de sabê-lo ilustrativo de um momento importante da cultura dos States, «Vício Intrínseco» acaba por ser facilmente olvidável, questionando-nos sobre o interesse de quem o produziu, o concebeu e interpretou. E é neste último aspeto, que ele melhor encontra justificação, porque Joaquin Phoenix volta a revelar-se superlativo neste desempenho, mesmo sabendo-se como ele se dá bem com este tipo de papéis em que veste a pele de quem está muito distante dos cânones dos comportamentos socialmente aceites.
Da cinematografia de Anderson escolho obviamente títulos bem mais interessantes e memoráveis.
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