Um dos maiores hipócritas da História do pensamento humano terá sido Santo Agostinho, que passou anos a dedicar-se a todos os excessos da carne, desde a boa comida a uma sexualidade desabrida, sem se preocupar com a consciência pecadora, que viria depois a revelar.
Foi o avanço para idade mais madura a motivar-lhe o arrependimento, que lhe estimulou a escrita de «As Confissões». Nesse livro ele toma Deus como interlocutor e explica como a «carne pode ser fraca», sendo difícil resistir às tentações por ela levantadas. Tanto mais que elas lhe continuavam a inquietar os sonhos, quantas vezes perpassados por recriações oníricas dos mais lúbricos prazeres. Daí o esforço acrescido para reprimir no pensamento todas as sugestões eróticas suscitadas pelos mais inocentes dos estímulos.
Daí que se enfatize a importância do casamento como instituição, nuns casos significando o estabelecimento da relação do ser humano com Deus, noutros casos legalizando a sexualidade na união entre um homem e uma mulher.
Nesse sentido, embora decorrente de algo tão imaterial como constitui a relação do homem com um qualquer deus, o casamento pode, igualmente, ser visto como a consumação de uma inequívoca racionalidade ao representar a normalização das paixões desenfreadas inerentes a uma premente sexualidade.
Os filósofos da Antiguidade tinham começado a preocupar-se com os apetites da carne, analisando-se a si próprios numa lógica de autoconhecimento.
Platão imaginou as emoções como se fossem uma parelha de cavalos, um manso e o outro selvagem, conduzidos por quem possui o talento da razão - o cocheiro. A capacidade para equilibrar essas emoções desencontradas era um índice de saúde física e mental.
No século V a.C. a medicina hipocrática iria explorar essa noção do equilíbrio em função de quatro humores ou fluidos, cuja manifestação dentro do corpo dependia da quantidade e da qualidade do que se digerira. A doença resultaria, precisamente, do desequilíbrio de tais humores e teria por consequência o prejuízo para a capacidade de sabedoria.
Era um tempo em que o conhecimento médico e o filosófico não se distinguiam, quase sobrepondo-se um ao outro.
Dada a natureza complexa da sexualidade humana uma doutrina que a inibisse poderia parecer um alívio para as almas atormentadas na sua condição de pecadoras. Assim surgiram os ascetas, os eremitas. Mas a própria religião católica não teria singrado se tivesse exigido a todos quantos dela se tornaram seguidores, que renunciassem ao desejo e reprimissem as suas mais incontornáveis necessidades.
A carne pode ser fraca, mas é demasiado forte a tentação a que ela se rende.
(texto sugestionado pelo longo trabalho de Noga Arikha na mais recente edição da revista «Lapham’s Quarterly»).
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