Na segunda metade do século XVII, e apesar de todas as inovações então criadas para gáudio dos que defendiam o primado da Ciência sobre a Religião, a fisiologia subcutânea continuava a ser um mistério explicado pela suposta existência de humores. Apesar das revoluções então desencadeadas na Anatomia, na Física ou na Química, as emoções, as sensações e as perceções continuavam a ser explicadas como decorrentes do comportamento de fluidos, sucos e, quanto muito dos nervos existentes por todo o organismo.
Outro era o entendimento dos comportamentos, que encontravam fundamento em teorias naturalistas. Os livres-pensadores franceses viam-nos como fruto de paixões e sem qualquer relação com os conceitos teológicos. Eles encontravam abrigo nos salões de requintadas aristocratas, que exultavam a que neles se discutisse política, religião ou filosofia. Ninon de Lenclos, que era anfitriã do mais concorrido salão setecentista era presumivelmente ateia e libertina.
O clima permissivo de tais cenáculos possibilitou a celebração dos desejos carnais. Escrever sobre sexo passou a constituir um verdadeiro gesto político pelo que continha de irreverência e de contestação dos valores caducos do Antigo Regime. Foram muitos os livros eróticos, se não mesmo abertamente pornográficos amplamente distribuídos nessa época. E, cúmulo da provocação à hipocrisia do puritanismo cristão, escolhiam muitas vezes como personagens os membros do clero em histórias em que os padres, os monges e as freiras eram apresentados como uns devassos insaciáveis sempre disponíveis para os mais lascivos prazeres carnais.
Em 1782 Choderlos de Laclos publicou «Ligações Perigosas em forma de cartas, que ofereciam uma descrição voyeurista do comportamento da aristocracia com a marquesa de Merteuil e o Visconde de Valmont a coreografarem um jogo do gato e do rato entre a razão e as emoções. Faltavam sete anos para a Revolução Francesa, mas a Igreja era vista como algo de obsoleto, que o século seguinte prometia fazer minguar na sua absurda influência.
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