A excelente noite de conversa com José Mário Branco no restaurante O Bispo no Seixal - ocorrida na passada quinta-feira! - foi tão rica, que muito ficou por dizer depois de abordar no texto anterior a urgência em não prescindirmos das nossas utopias. Lutar, lutar sempre, eis o imperativo, tornando-nos tanto quanto possível nos imprescindíveis de que falava um célebre poema de Bertolt Brecht.
Por isso importa ser radical, palavra que o cantautor tanto aprecia. Porque trata-se de voltar às raízes, olhar para o que elas prometiam e como cresceram a partir daí. Corrigindo a rota, quando ela se desvia do que deveria ser a sua vertical direção para um futuro mais justo e igualitário.
Na minha perspetiva trata-se de regressar às raízes ideológicas do que fundamenta o pensamento de esquerda, desde os socialistas utópicos do século XVIII até aos mais estimulantes filósofos atuais da escola marxista, que continua a ser a mais sólida e estruturada para analisar, diagnosticar e encontrar soluções para os impasses da sempiterna luta de classes.
Outra questão que José Mário Branco abordou foi o do papel fundamental dos artistas nessa dinâmica transformadora. Ao invés dos que provieram da involução pós-modernista, eles devem criar para si, mas sobretudo para aqueles que serão os seus leitores ou espectadores. Nas suas palavras uma obra de arte tem de ter sempre três pilares: a Técnica, a Estética e a Ética. Falhe um deles e ela pouco vale.
A Técnica é fundamental para que ela seja Arte e não kitsch. A Estética importa porque tem de seduzir, impressionar ou mesmo incomodar consoante for o objetivo a ela subjacente. E tem de ter uma Ética, que é a de não se cingir a nada mudar, porque tudo deve ser orientado no sentido de contributo para o Bem Comum.
O problema de alguns regimes, que se consideraram progressistas - como o bolchevismo na Rússia dos anos 20! - foi a coerção do conceito de bem comum a obras artísticas, que, no seu vanguardismo, continham essa ética, muito embora os mais míopes a não quisessem vislumbrar.
Esta abordagem liga-se a outra questão levantada por José Mário Branco a respeito da profanação, em nome dos interesses comerciais, do que deve ser o Fado como expressão identitária da arte de ser português.
Curiosamente já vira o Ricardo Ribeiro referir em entrevistas aquilo que o habitual produtor dos discos de Camané explicitou: anda por aí a instalar-se um novo nacional-cançonetismo, que parecendo fado, está muito longe de o ser. As novas madalenas iglésias andam por aí a gritar estridentemente como se a canção popular tivesse de se tornar numa autêntica agressão auditiva para parecer genuína - vide Carminho na atuação da inauguração do MAAT - ou a criarem um tipo de caricatura, que mais do que popular, parece mais prapular - vide Cuca Roseta.
O Fado é e deve ser, sobretudo, sentimento. Décadas atrás vigorava a ordem de silêncio absoluto porque ia-se-o cantar. Por isso era quase religiosa a forma como se se predispunha a partilhar as emoções de quem o entoava. Mas, convenhamos que a situação já não é de hoje: a própria Amália, quando se foi convertendo numa artista internacional tratou de o adulterar com as tais canções populares, que agora andam a ser resgatadas do baú por ela cheio para cuidar de se imortalizar na medida do possível e garantir o negócio das editoras para que trabalhou.
Mas quando se mistura Técnica, Estética com negócio, a Ética deixa de estar presente. E como pilar fundamental retira a condição de arte a quem a cria, interpreta ou negoceia com o objetivo único de faturar euros ou dólares.
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