quinta-feira, outubro 06, 2016

(V) «Peões em Jogo», Robert Redford (2007)

Um dos cineastas norte-americanos que me merece particular admiração é Robert Redford. Não tanto pela qualidade superior de alguns dos filmes, que realizou ou interpretou, mas pelo esforço militante de investir os seus ganhos em Hollywood em tudo o que significa hoje a marca Sundance, não só como Festival de Cinema, mas também como foco de divulgação de uma forma diferente de traduzir a realidade em fotogramas.
Se o cinema vindo do lado de lá do Atlântico Norte não se limita a ser feito de histórias tolas destinadas a adolescentes consumidores de pipocas e de coca-cola, é porque Redford e outros resistentes têm apostado naquele que é designado como «independente», porque liberto dos constrangimentos dos grandes estúdios e dos produtores mais comerciais.
No entanto, e porque há que arranjar dinheiro para pagar esses luxos de intelectual comprometido, Redford tem continuado a rodar filmes de grande orçamento e com conhecidas cabeças-de-cartaz para servirem de chamariz a essas plateias menos exigentes. Ainda assim, mesmo nesses casos, não o vemos abdicar de uma intenção pedagógica, capaz de atordoar as consciências mais distraídas.
Foi o caso do filme «Lions for Lambs», que rodou em 2007, quando o Bush Jr. ainda estava na Casa Branca e já era mais do que evidente o fracasso da estratégia seguida na sequência dos atentados às Torres Gémeas, quando os exércitos americanos enlearam-se nos vespeiros do Afeganistão e do Iraque.
O filme segue três histórias paralelas, que se entrelaçam num desígnio comum: servirem de móbil para denunciar o que a política da Administração republicana teve de pior nesses primeiros anos do novo século.
Numa das histórias Meryl Streep é a jornalista experiente convidada por um membro da Administração e potencial candidato à Presidência (Tom Cruise), que lhe quer vender uma nova estratégia de guerra no Afeganistão, capaz de derrotar definitivamente os talibãs. Mas a ela, que já ouvira patranhas semelhantes na época do Vietname, tal plano é só mais um dos muitos, que nunca cumpriram os objetivos para que foram formulados. Mas, na estação de televisão em que trabalha, onde se revela cada vez mais difícil a prática de um jornalismo deontologicamente irrepreensível, ela vive o dilema de servir de ferramenta á propaganda da Administração ou denunciá-la como uma farsa e ficar sem emprego quando os 57 anos de idade já não lhe permitem aspirar a novo emprego numa outra empresa de comunicação.
No norte do Afeganistão dois soldados norte-americanos veem-se cercados por talibãs, que os pretendem apanhar vivos, não havendo tempo suficiente para o salvamento, que um Estado-Maior desorientado não consegue apressar. Confirma-se no terreno a distância absoluta entre os belos planos militares forjados na retaguarda a muitos milhares de quilómetros dos acontecimentos e a realidade encontrada no terreno.
E, na terceira história, Robert Redford é o professor universitário, que tenta motivar um dos seus alunos mais brilhantes para que não desista da sua irreverência, como parece estar empenhado em fazer. Porque importa contrariar a apatia dos seus colegas de geração, que veem os políticos tradicionais tomarem decisões contrárias aos seus interesses. E dá-lhe o exemplo daqueles dois alunos, igualmente brilhantes, não tanto pela inteligência, mas pelo seu esforço, e que não são mais do que os dois soldados em vias de serem sacrificados no Afeganistão. Esse professor, que tentara evitar o alistamento desses alunos por adivinhar as consequências trágicas do seu envolvimento numa guerra injusta, procura agora evitar nova opção errada neste em quem pretende depositar a sua esperança num futuro diferente.
No fundo, apesar de destinado ao grande público, e não ser um dos seus melhores, o filme de Redford confirma a impossibilidade de abdicar de si próprio, dando-lhe conteúdos pertinentes na sua mensagem explicitamente política.


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