Dos escritores em atividade Mia Couto é o único com o qual estabeleci uma dependência semelhante à que sentia para com José Saramago: houvesse notícia do lançamento de nova obra e lá estava eu a comprá-la logo no dia do seu surgimento nos escaparates das livrarias.
É por isso que acolho com enorme expetativa e entusiasmo a publicação de «A Espada e a Azagaia», a segunda parte da trilogia «Mulheres de Cinza», que anda a dedicar ao período histórico moçambicano correspondente ao da ascensão e queda do Imperador de Gaza, Gungunhana. O primeiro volume, «As Areias do Imperador», foi excelente e fez ansiar pela sua continuação.
Ao contrário do que nos ensinavam na época salazarista esse soberano africano não era a caricatura, que o regime quis personificar num filme execrável de Jorge Brum do Canto e que regularmente era apresentado nos ecrãs televisivos como caução para justificar o envio de milhares de jovens como carne para canhão nas guerras coloniais então em curso. Mas também em nada se assemelha ao herói independentista, que a Frelimo quis promover tão só conquistado o poder em Maputo.
Homem contraditório, infeliz e solitário (apesar das suas muitas mulheres), Gungunhana foi o elo mais fraco de uma guerra entre dois exércitos coloniais, o português e o do seu império em expansão.
Apanhado na circunstância histórica de ver o inimigo europeu ser obrigado a colonizar o interior devido ao Ultimato inglês, não teve o suficiente jogo de cintura para se adaptar à mudança a exemplo do pai, que tivera uma relação colaboracionista com o reino luso.
Mas o interesse da obra de Mia Couto reside no seu propósito de demonstrar como “estes processos de construção de uma guerra começam muito antes de se formarem os exércitos com a aposta no desumanizar e retirar a alma do outro”.
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