segunda-feira, outubro 24, 2016

(P) Tantos potenciais apoiantes de Trump à nossa volta!

A José Rodrigues Miguéis, ele próprio também exilado do país por causa do regime, Jorge de Sena disse serem dispensáveis por um país que os esquecera e subitamente se embriagara com a descoberta da Liberdade.
Esta é a sina de quantos partem deste extremo ocidental europeu e procuram sobrevivência onde ela lhes parece mais fácil. Mas, quando querem regressar, ou trazem recursos para sobreviverem, ou descobrem a pertinência do ditado que diz perder o  lugar quem ao mar vai.
Os enfermeiros acorreram para terras britânicas por não encontrarem aqui emprego e ei-los agora ameaçados de regresso forçado só porque quem lhes prometeu acolhimento franco decidiu virar costas ao continente e quer de volta os empregos afinal não tão generosamente oferecidos.
E um pouco por todo o lado crescem ameaças semelhantes. Na Suíça e na Holanda prometem-se réplicas dessas políticas de tornar indesejáveis quem no estrangeiro nasceu.
Quão longe vamos ficando daquela ideia de sermos todos cidadãos do mundo, irmanados na constatação de nos unir a condição de viajantes do mesmo ponto minúsculo situado na periferia de uma imensa nebulosa estelar.
Não é impunemente que se criam modas de bandeiras às janelas e hinos entoados por tudo e por nada só porque uns quantos tipos em calções vão dar uns chutos na bola em suposta representação de uma identidade, que nos dizem chamar-se Portugal.
Começa-se pela partilha de tremoços e cervejas em frente a um ecrã gigante de televisão partilhando alegrias quando se vence e insultando o árbitro ou as mães dos jogadores, quando se perde e sabe-se lá onde vão parar tais emoções.
Que saudades ficam dos tempos em que parafraseávamos com convicção a fórmula lapidar de Samuel Johnson: "Patriotism is the last refuge of a scoundrel". Quantos hoje continuam a acreditar ser um canalha quem se refugia no patriotismo como forma de exacerbar os seus maus instintos?
E, no entanto, vemo-lo com o candidato Trump nas presidenciais norte-americanas. Quando ele diaboliza os muçulmanos ou os mexicanos, muitos de nós qualificam-no indubitavelmente de canalha. Mas quantos não inundam as redes sociais ou os ecrãs de televisão com profissões de fé numa pátria, que o mesmo Jorge de Sena dizia nem ser ditosa, por o não merecer, nem sua amada, porque só madrasta.



(Goya)

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