Na entrevista que concedeu a Paulo Moura, e inserida no «Público» de ontem, Salman Rushdie diz coisas com que necessariamente concordo. Uma delas é a frase de Gramsci muito adequada para analisarmos os tempos atuais: sejamos pessimistas na razão e otimistas na vontade. De facto, por muito que a realidade pareça travar o nosso desejo de Utopia, valerá sempre a pena lutar e acreditar na exequibilidade desse sonho. Até porque Rushdie coincide comigo na total discordância com o pessimismo larvar de Orwell para quem seria inevitável o triunfo definitivo da tirania.
Isso nunca aconteceu na História da Humanidade, proclama Rushdie, que anota a alternância entre períodos terríveis com outros esplendorosos. Até pelo facto de, ao longo dos séculos, a natureza humana se manter sempre a mesma, só mudando as circunstâncias em que vivemos. Por isso mesmo, ao ler Dickens ou Jane Austen, Rushdie encontra a miséria hoje reconhecível em Bombaim ou Calcutá ou a triste sina das mulheres indianas que, como as heroínas da escritora romântica inglesa, eram bem mais inteligentes do que os homens mas só podiam aspirar a um casamento passível de lhes conferir o estatuto social mais favorável.
Interessante, igualmente, a ilação que ele tira da mudança verificada entre as edições de «Anna Karenina» e «Guerra e Paz»: quando o primeiro daqueles títulos foi publicado ainda a privacidade não era invadida pela esfera pública, algo já evidente no segundo caso. Ou ainda a diferença entre o Ocidente onde os Iluministas trataram de apontar a Igreja como a sua inimiga a abater e por isso venceu o ideal da Liberdade. Ao contrário, isso nunca aconteceu no mundo islâmico, daí decorrendo a lógica dominante de um condicionamento social em função da sharia e de todos os preconceitos legitimados por leituras pervertidas do Corão.
Enfim, a concluir, uma receita para os escritores, já enunciada por Gabriel Garcia Marquez: para criar obra original é necessário viver primeiro para escrever depois.
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