terça-feira, outubro 16, 2018

«Persona» de Ingmar Bergman (1966) - 1ª parte


Como entender a longa afonia da atriz Elizabeth Vogler, quando estava a conhecer um enorme sucesso nos palcos com a interpretação de Electra? Porque a recuperação tarda, ela troca o hospital pela casa de férias na ilha de Farö, onde se instala na companhia da enfermeira Alma.
Ingmar Bergman reconheceria depois que «Persona» o salvara da morte. Se o pensara como uma espécie de testamento, acabou por dele sair renascido. Imaginara a estória, quando estava febril, num leito de hospital, acossado por grave pneumonia.  Recusando qualquer contacto com quem quer que fosse, o cineasta enclausurou-se no mutismo para melhor se abandonar às divagações mentais. Os que morriam nas enfermarias desfilavam-lhe mesmo em frente, como se estivesse num sonho, no qual atentava igualmente nas discussões entre as enfermeiras ou nos rostos a fundirem-se numa só imagem.
Quando recuperou da doença, Bergman limitou-se a verter para o papel o que sonhara, construindo o argumento em apenas duas semanas, altura em que saiu do hospital, diretamente para o local da rodagem. Essa urgência em criar está colada a cada sequência de «Persona», sendo constante a tensão e a determinação em filmar. Não conhecêssemos a filmografia anterior e quase imaginaríamos que se tratava de um primeiro filme, pleno de força, e ao mesmo tempo ingénuo.
Nesses anos sessenta Bergman cria os seus filmes mais puros: «Luz de Inverno» (1962), «O Silêncio» (1963) e «Persona» (1966), que culminam em «Vergonha» (1968). Puros no sentido em que Bergman confronta diretamente os temas abordados com o seu próprio imaginário e lógica. Mergulha-nos diretamente no seu mundo sem recorrer aos métodos narrativos mais comuns para os espectadores. Tendo-se livrado das influências, que o haviam marcado, criava a sua própria linguagem e estilo, em muitos aspetos a mostrar-se quase experimental. O que só confirma a tentação de descortinar formas inovadoras de contar as suas estórias.
«Persona» aproxima-se de uma encenação, quer física, quer mental. Porque há quase um contacto direto do que se passa na tela com quem o vê da plateia, mas também pelo cenário claustrofóbico  da ilha de Farö, microcosmos quase cingido aos cérebro de Elizabet e de Alma.
No início do filme vemos os filamentos da lâmpada de um projetor a aquecer até surgir o arco elétrico. A lâmpada diminui a intensidade, a película começa a passar como se estivéssemos no projetor e víssemo-la projetada. Há um desenho animado antigo, virado de cabeça para baixo, números que desfilam e um sexo em ereção, imagem que foi cortada em quase todas as cópias disponíveis, para grande surpresa do realizador. Depois lá virá o olhar de Bibi Andersson a desviar a película do seu rumo, a tela a só mostrar a brancura imaculada. Os temas do filme são contaminados pelos dramas por ele abordados.

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