Há dez anos, quando Rosa Montero publicou este romance, o mundo andava bem carecido de ser salvo, ou não fosse esse o ano em que a falência da Lehman Brothers iria virar do avesso a vida de muitos de quantos, até então, se julgavam a coberto de uma crise económica e política profunda.
Convenhamos que tudo quanto então sucedeu teve efeito de avalanche sobre as nossas sociedades e este inquietante ascenso dos ideários fascistas mais não é do que um pervertido sucedâneo do terramoto então verificado com epicentro em Wall Street. Se o mundo precisava, então, de ser salvo, hoje a urgência torna-se muito maior...
Para Matias, um dos protagonistas do romance da escritora espanhola, há outra razão não menos relevante para tudo questionar: a morte de Rita, que fora para ele tudo quanto pudera desejar. Professora, mãe que nunca tivera, amante com quem vivera as descobertas mágicas do Amor, esposa, que por ele tudo deixara para trás. E uma certeza a acompanhá-lo no transe em que os meses seguintes se viriam a converter: o culpado fora um médico do Hospital de San Felipe, que a mandara para casa por não ter com que remediar-lhe os efeitos da doença e a condenara a atroz fim, marcado por dores insuportáveis.
Em percurso paralelo ao desse taxista de meia idade, acompanhamos o de Daniel, esse médico, que representa o bode expiatório dessa perda por assimilar. Desinteressado da profissão, vivendo uma relação conjugal mais do que degradada, alterna os turnos nas urgências do hospital com a fuga para jogos de computador e, depois, para o Second Life, onde se desdobra num avatar à descoberta do sadomasoquismo.
O romance irá, naturalmente, desembocar no encontro entre eles, primeiro com a violência quase homicida a distanciá-los, para, depois, se entreajudarem no meritório esforço de resgatarem uma rapariga serra-leonesa da escravatura sexual, ao descobrirem-na sucessivamente massacrada pelos maus humores do proxeneta. Personagem forte, como quase sempre o são as mulheres criadas pela autora, essa Fatma mostra a resiliência de quem sofre horrores na carne, mas não permite que a mente se desvie de um bem mais gratificante devir. Nesse sentido tem equivalente noutra interlocutora de Matias - a velha Cerbero - que lhe dá a conhecer desconhecidos modelos analíticos de entender a realidade e, também ela, a superar o martírio a que se vira sujeita por um gangue juvenil.
As instruções sugeridas por Rosa Montero para salvar o mundo são as comummente aceites por quem o quer ver transformado numa utopia igualitária e fraterna: a empatia com o outro, ajudando-o a superar os desafios, que pareciam quase impossíveis de enfrentar. Ainda que o desenlace comprove a impossibilidade de se darem passos exagerados em tal direção. Porque os hábitos há muito instalados se consolidam numa cristalização, que nem as melhores intenções conseguem abalar.
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