quarta-feira, outubro 24, 2018

(AV) Egon Schiele: a provocação introspetiva


Quando esteve preso Egon Schiele escreveu que a arte não pode ser moderna. E, de facto, se a considerarmos  por padrões ideológicos, que estavam tão subjacentes à vida intelectual desses primeiros anos do século XX, a «modernidade» da Escola Vienense nada tem a ver com amanhãs que cantem, ou outras expetativas de transformações sociais, porque, fundamentalmente introspetiva, acentua a individualidade do ser em detrimento da sua condição social.
Artista esquecido durante décadas, a importância da obra de Schiele só viria a ser resgatada a partir dos anos 50 graças a um colecionador, que conseguira criar uma rica pinacoteca nela especializada.
Schiele era um perturbador, que só trabalhava para si mesmo, mas cujos quadros e desenhos obrigam qualquer observador a questionar-se sobre a nudez ou a sexualidade. Com um talento natural para o desenho conseguia em poucos minutos completar um registo do que se lhe deparava como motivo artístico, normalmente o corpo feminino.  Não tinha preocupações em embelezá-lo. Pelo contrário distorcia a figura humana, levando alguns a depreciarem-lhe a obra como feia, senão mesmo horrível.
Na infância crescera numa casa, que tremia constantemente, ou não fosse a do chefe de estação de Tulln, que era o seu pai. Foi ele a detetar muito cedo o talento do filho para o desenho. Julgando cometer um ato de bom educador decidiu comprar-lhe  um caderno estipulando-lhe a tarefa de preencher quotidianamente uma página. Ora, quando nesse mesmo dia foi almoçar, já o caderno fora integralmente preenchido, estando as folhas desagregadas, espalhadas pela casa.
Embora vislumbrasse um futuro artístico para esse rebento, o sr. Schiele não poderia confirmá-lo: a partir de 1900 a sífilis, contraída com prostitutas,  foi-se agravando sucessivamente levando-o a crises de loucura, que culminariam no gesto trágico de queimar na lareira as ações, que constituíam a razoável riqueza da família.
Já órfãos, Egon e a irmã mais nova - Gerti - apanharam o comboio e viajaram até Trieste para refazerem a viagem de núpcias dos pais. É por essa altura, quando tem 15 anos, que Egon frequenta a casa de um parente radiologista. A imagem das,  então ainda raras, radiografias irão fascina-lo ao ponto de ser óbvia a sua influência na representação das mãos em muitos dos quadros posteriores.
Nesse ano de 1906 entra na Academia de Belas Artes de Viena, tendo sucesso onde outro candidato, Adolf Hitler, falhara tão estrondosamente que nem mesmo repetindo o exame conseguiu ver-se aprovado.
A reação de alguns dos professores à naturalidade com que, em minutos, despacha desenhos, que aos colegas levam horas, não o tornam popular e, em 1909, ele acaba por abandonar o estabelecimento sem o diploma. O retrato da irmã anuncia o expressionismo vienense, mas a representação da sexualidade infantil ainda hoje causa engulhos nos defensores do politicamente correto.
Em 1909 consegue vender alguns quadros e passa a viver com a sulfurosa Wally, que ganhara reputação como modelo de Gustav Klimt. Durante uns anos, além de modelo ela será a sua criada e protetora.  Vão viver para Krumlov, na Boémia, mas a experiência revela-se desastrosa: os vizinhos escandalizam-se com a libertinagem do casal e acabam por pressionar as autoridades a prendê-lo, acusando-o de rapto e violação de uma miúda de treze anos.  A inexistência de provas não o livram do julgamento em que a acusação incide sobre a suposta obscenidade das suas obras.
Regressado a Viena e rompendo com Wally, Schiele instala o seu novo ateliê junto do de Klimt, ligando-se a Edith Harms com quem casa. Ela torna-se doravante a modelo quase exclusiva da sua obra, que ganha grande reconhecimento comercial e crítico.
Ambos vivem três anos de relativa felicidade, tendo em conta que a guerra grassa à sua volta. Em outubro de 1918, quando era lícito esperar por um mundo bem mais bonançoso, a gripe espanhola invade todo o continente. Edith, grávida de seis meses, morre a 28. Egon não lhe resiste mais do que três dias...

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