quarta-feira, outubro 31, 2018

(DIM) «Nostalgia da Luz» : Um filme de mulheres fortes e determinadas


Patricio Guzmán conheceu o deserto de Atacama na época do governo de Salvador Allende, quando se deslocara à região - do tamanho de Portugal - para filmar as minas de cobre, e se surpreendera com o carácter único da paisagem. Lembrava-lhe o planeta Marte, de tudo esvaziado, sem insetos, nem quaisquer outros animais. Só habitado por alguns seres humanos sujeitos à solidão e a essa ausência de vida.
E, no entanto, conseguiu-lhe associar uma história rica em significado, que deveria focalizar-se nalgumas anciãs, inesgotáveis na missão de encontrarem os restos mortais dos seus entes queridos. A motivação prioritária do filme seria essa, mas contaria, igualmente, com a magia da astronomia, das estrelas, das múmias e dos animais petrificados. Nesse conjunto de elementos sabia haver matéria para construir o filme, por conterem história, objetos e matéria, que teriam de se entrecruzar.
O argumento começou a ser concetualizado a partir da necessidade de se criar uma narrativa simples, depurada de qualquer tentação de complexidade. Embora tocasse todas essas áreas não seria um filme antropológico ou arqueológico, histórico ou militante.
A equipa de rodagem foi para Calama, aldeia mineira onde residiam doze mulheres. Victoria Saavedra, uma delas, seria uma das protagonistas, a par da bem mais radical Violeta Berrios, a única que manteve a busca até aos dias de hoje. Esta é uma pessoa maravilhosa, desassombrada no que diz sobre as autoridades, ou quando a elas se dirige, sejam autarcas, deputados ou senadores. Porque, por todos abandonadas - exceto por alguns jornalistas e juízes - espelham o exíguo número de pessoas de bem no Chile. Entre elas e a equipa de Guzmán estabeleceu-se uma relação de grande empatia e fraternidade, transferindo-se essa sensação para o próprio filme.
Contactaram-se, igualmente, os observatórios astronómicos,  e foi assim que Valentina Rodriguez veio, igualmente, prestar um testemunho a que se queria escusar por, até então, nunca ter dado a conhecer a sua condição de vítima, já que os pais foram dois dos milhares de desaparecidos da ditadura. Casada e mãe de dois filhos, era vista com simpatia por todos os colegas do Observatório Austral Europeu, mas nenhum imaginara a tragédia, que envolvera o seu passado. Era um segredo, que resguardava só para si  e para os familiares mais próximos. Mas o assistente de realização, Nicolas Lasnibat, localizara-a através de uma das associações de psicólogos, que trabalham com quem sofreu tortura ou perdeu familiares.
Surpreendida por terem-na contactado para uma tão grande exposição pública, Valentina começou por ser firme na recusa, mas, pouco a pouco, foi cedendo aos argumentos do persuasivo Nicolas, quando o filme já estava na fase de montagem. Encontrara-se uma das ligações mais significativas entre o mundo dos astros e o sofrimento dos que os olham para procurar uma infinidade de respostas...

Sem comentários: