quinta-feira, outubro 11, 2018

(DIM) Hoje à noite no Cineclube Gandaia: «O Sétimo Selo» de Ingmar Bergman (1957)


É um dos filmes mais pessoais do realizador sueco, que aproveita o ambiente medieval para abordar temas, que lhe diziam muito: a vida e a morte, deus e o diabo, a fé e a descrença. Não era impunemente, que nascera numa família muito religiosa, de cujas crenças se dissociara sem, porém, sentir-se soberbo na assumpção da superioridade do correspondente agnosticismo, quiçá mesmo ateísmo.
O título remete para os versículos do Apocalipse em que a abertura de um sétimo selo equivaleria ao fim dos tempos. Ora, nessa metade da década de 50 em que Bergman rodou o filme, o medo atómico estava omnipresente no mundo ocidental. Situando a narrativa na Idade Média, Bergman abordava as obsessões de então. Fá-lo através de Antonius Block, o cavaleiro, que fora pelejar em nome de Deus para as cruzadas e, agora, regressava, angustiado pela sua ausência, pois como aceitar que Ele permitisse tanto sofrimento através da descontrolada epidemia, que a quase todos vitimava?
Há, no entanto, algo de Quixote na sua deambulação em que conta com o escudeiro, tão dissociado da forma como interpretava tudo quanto ambos viam, quanto Sancho Pança em relação ao cavaleiro de La Mancha.
A Morte surge-lhe como possibilidade de ver abreviado o sofrimento interior, que o consome. Mas se o corpo está preparado para a seguir, o espírito ainda pretende compreender o sentido da Vida e do que se lhe seguirá. Daí que nada mais natural do que propor-lhe uma partida de xadrez com que pretende adiar o desiderato prometido, inevitável, já que constataremos como a poderosa adversária não enjeita a batota como forma de apressar a definitiva vitória. Há lá jogo onde a racionalidade mais valha do que o do tabuleiro alvinegro?
Pela mente de Block passa a intenção de ajudar a família de saltimbancos (pai, mãe e respetivo bebé) a escapar-se. Porque lembram José, Maria e Jesus no que simbolicamente representam enquanto salvação? Ou porque praticando a Arte, Bergman quererá significar quanto ela poderá ter efeito redentor?
A verdade é que muitos enquadramentos da belíssima fotografia são plasmados das igrejas, que Bergman conhecera em criança, sendo muitas das pinturas das suas paredes conhecidos afrescos de Albertus Pictor, aqui convocado como personagem secundário, mas importante do filme. E a Dança da Morte, imagem inesquecível no final vai ao encontro da alegoria medieval sobre a universalidade desse incontornável destino, que a todos une, e foi pintado por muitos artistas de que Holbein é só o mais conhecido exemplo.
Uma referência final para a importância do silêncio na banda sonora. Essa ausência de sons, sentida logo no genérico, serve para acrescentar expetativa, acentuar dramatismo. E, nesse sentido, constitui elucidativa antecipação para a primeira Noite do Lugar Comum, amanhã à noite no Clube Gandaia, cujo tema será precisamente sobre a eventualidade do silêncio entre as notas de música, esconder Deus dos homens, que O procuram.

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