segunda-feira, outubro 22, 2018

(DL) Alaa el-Aswany, a consciência moral do Egito


Alaa El Aswany é o justo herdeiro de Naguib Mahfouz enquanto escritor mais interessante de quantos escrevem no Egito. Socialista confesso e comprometido com as mudanças sociais, ele esteve bastante ativo a dinamizar os revoltosos da Praça Tahrir em 2011, quando estava em causa derrubar Moubarak, e insurgiu-se contra o seu sucessor, esse Mohammed Morsi, que quis transformar a revolução democrática numa nova ditadura religiosa. Obviamente que, hoje em dia, Aswany é uma referência intelectual contra a ditadura fascista de Sisi, que lhe proíbe a difusão dos livros e textos, embora não possa impedi-lo de os publicar no estrangeiro, como sucedeu agora em França, onde «J’ai couru vers le Nil» é um dos maiores sucessos da rentrée littéraire. Mas, porque tem de garantir o sustento da família, Aswany continua a exercer medicina dentária na sua pequena cidade a trinta quilómetros do Cairo.
O primeiro romance dele publicado entre nós foi »Os Pequenos Mundos do  Edifício Yacoubian», datado de 2002, que tomava esse espaço como ilustrativo da época num Cairo moderno, onde se cruzavam diferentes personagens capazes de interagirem e darem o retrato social de uma sociedade em grande transformação: um velho playboy aristocrata, um jornalista homossexual ou uma mulher forçada a prostituir-se para assegurar a sobrevivência dos seus. Estavam explícitos temas incómodos para os poderes políticos e religiosos, como a corrupção e a sexualidade, o fanatismo religioso e as desigualdades sociais.
Com esse romance Aswany confirmava a sua dimensão de consciência revolucionária no país, que almejava transformar radicalmente. Por isso mesmo, nos anos noventa, fundara um movimento político chamado «kifaya» ou seja, «Basta!»
De 2007 conhecemos «Chicago» em que aborda a vida de emigrantes atraídos pelo sonho americano, que constituem outro painel muito forte de personagens representativos de várias gerações. Há aquele que há mais tempo está nos States e alimenta um desprezo arrogante pelo atraso do seu país de origem. Relevante, igualmente, um professor de história casado com uma norte-americana e dela se sentindo diferente o bastante para questionar a mútua compatibilidade. Ou uma estudante brilhante, mas afetivamente inepta. Ou ainda o presidente da união de estudantes, que compromete-se com a policia politica do seu país a troco de lhe arranjarem casamento com uma mulher de famílias abonadas. A distância geográfica facilitava o relacionamento entre homens e mulheres sem os preconceitos da terra natal.
Quatro anos depois Aswany publicava «O Estado do Egito - o que tornou a revolução possível», ensaio sobre os principais problemas do seu país, desde a estagnação económica à brutalidade policial, da pobreza ao assédio das mulheres, ou ainda os crimes de ódio contra a minoria cristã. Datado o bastante para que os acontecimentos posteriores o tornassem obsoleto, o livro não deixa de levantar questões, que a atual ditadura continua incapaz de resolver.
O romance agora publicado em França toma a revolução de 2011 como pano de fundo, desmascarando as estratégias conjugadas dos militares e religiosos para frustrarem os anseios democráticos da juventude. Passado entre janeiro e novembro é construído como um folhetim do século XIX, recheado de episódios movimentados e frequentemente divertidos. Como de costume há personagens fortes: o casal de namorados, Asma e Mazen, ambos convictos da bondade do ideário socialista; uma perversa apresentadora televisiva; a filha de um general dos serviços de segurança; ou ainda um estudante, que lembra o que foi assassinado em Alexandria pelos esbirros de Moubarak num confronto, que deu origem ao levantamento popular de há sete anos. A exemplo dos títulos anteriores, Aswany expõe a hipocrisia dos poderes políticos e religiosos, mormente no que diz respeito à sexualidade.

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