Não é fácil a vida dos miúdos, que servem de personagens aos contos de Stig Dagerman. Em »Jogos da Noite» Ake ilude a insónia imaginando-se a procurar o pai no bar onde ele passa as noites, Faz-se invisível, despeja-lhe a última garrafa para que regresse a casa e estanque o choro da mãe no quarto ao lado. Mas nem mesmo assim ele volta, obrigando-o a nova surtida imaginária, desta vez para o pegar pela mão e levá-lo ao elétrico. Debalde! Só quando já não resistira ao sono é que o ouve entrar , embatendo desordenadamente nos móveis até chegar ao quarto, onde a mulher subitamente se calara.
Se Ake detesta esses jogos noturnos, onde apenas exercita a imaginação, pior são os de dia, que é quando a mãe o manda procurar o pai e pedir-lhe o dinheiro do salário, que lho não entregou. Há uma inevitável humilhação, quando entra no mesmo bar e lhe transmite o recado. Já com as moedas na mão, o miúdo manifesta um ódio a ambos por o sujeitarem a tal sofrimento. Por isso, quando passa o dinheiro para a mão da mãe, aproveita para fugir, afastando-se tanto quanto possível dela... E dele!
Em «Neve Derretida», Arne Berg avisa-nos logo de início: “nunca mais haverá outra tarde assim.”. E a memória vai para esse dia em que fez nove anos e a tia Maja veio de visita, após vinte anos na América.
Se o ambiente em casa é tenso - “ a minha mãe está quase todo o tempo furiosa contra nós” - a tia vem-lhe demonstrar uma ternura desconhecida, porque o habitual é a pancada ou os beliscões, como o que recebera de Sigrid, a criada, que surpreendera em flagrante debaixo do tio. O que faz Arne chorar é, porém, algo que a tia lhe pergunta: “Então és tu que não tens pai?” Lá que soubessem disso ali na Suécia, ainda aceitava, agora que essa condição se houvesse propagandeado até à América, constitui motivo de dolorosa constatação.
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