Que a memória nos causa partidas insuspeitáveis mostra-o Ricardo Viel, autor de «Um país levantado em alegria» em que evoca os dias intensos de José Saramago e Pilar del Rio logo após a notícia do Nobel. E precisamente fica a dúvida: quando é que os dois terão falado sobre o assunto tendo em conta que os telemóveis ainda eram ferramenta de comunicação pouco disseminada? Minutos depois da Academia Sueca ter divulgado a notícia e com Pilar preocupada em alterar informações acabadas de dar a jornalistas espanhóis sobre o regresso do escritor a Madrid? Ou já muito à noite, quando a poeira havia assentado e a abordagem da profunda alteração na vida de ambos se acabara de verificar?
Há relato de uma ou outra hipótese, mas qual a verdadeira? Nem Pilar o poderá afiançar! Até porque é possível que as duas se tenham verificado!
A verdade é sempre relativa! Na «Visita Guiada» desta semana - sobre o campo arqueológico de Mértola - foi possível descobrir que as estátuas romanas chegaram a uma tal sofisticação, que a ligação da cabeça ao corpo esculpido era feita por um encaixe para que, substituído o imperador, só houvesse que mudar a parte superior, garantindo-se a pronta adequação da obra ao poder entretanto alterado. Ou também que, na época romana, Pax Julia ou Myrtilis eram, provavelmente, mais importantes do que Olissipo, porque estavam mais acessíveis para as embarcações provenientes do Mare Nostrum, que poupavam-se à perigosa navegação atlântica, depois de dobrada a ponta de Sagres.
Usufruindo da vantagem de as marés do Guadiana elevarem as águas quase dois metros desde a foz até sessenta quilómetros a montante, a atual Mértola tinha condições para receber o tráfego marítimo, que possibilitava a sua condição de entreposto comercial.
No mesmo programa Cláudio Torres estabelece, igualmente, uma diferença decisiva entre a História elaborada por historiadores - que reproduzem invariavelmente a perspetiva dos vencedores! - e a definida pela arqueologia: o campo arqueológico de Mértola tem sido rico em exemplos de se esperarem encontrar confirmações das teses pré-definidas por quem se responsabilizava pelas escavações e que as viu viradas do avesso, demonstrando uma verdade histórica oposta à que se pressupunha.
Conclua-se com uma frase colhida num texto de Gonçalo M. Tavares em que analisa a verdade de cada rosto: “um rosto varia negativa ou positivamente (variação negativa: envelhecer, variação positiva: tornar-se maduro, mais lúcido); uma cara imóvel: cara preguiçosa”.
Evoluamos, pois, no sentido da maturação de quem somos, arvorando sempre uma progressiva lucidez...
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