sábado, outubro 06, 2018

(DL)  «Vinte Mil Léguas Submarinas» de Júlio Verne (5)


No romance de Júlio Verne o mito da Atlântida também é convocado. Desde há dois mil e quinhentos anos, que ele alimenta a imaginação humana como resultado da referência de Platão. Mas milhões de leitores conheceram-no pela primeira vez através da história da viagem de Aronnax e seus companheiros no submarino do capitão Nemo.
A descrição de Verne manteve-se fiel à história original do filósofo ateniense, atribuindo a sua destruição à ação vulcânica do leito oceânico em que localizou os restos dessa civilização perdida. E houve quem se deixasse convencer pela ficção, ainda hoje procurando concretizá-la na realidade em sucessivas expedições.
A ideia para essa efabulação em torno da Atlântida surgiu-lhe dez anos antes da publicação do livro durante a primeira viagem ao estrangeiro, mais precisamente à Escócia, onde residia a família da sua mãe. Escalando um vulcão perto de Edimburgo, apreciou a cidade vista desse topo ingreme e imaginou-a como réplica da cidade mítica mergulhada no fundo do oceano. Nessa estadia encontrou, igualmente, uma inscrição à entrada de um castelo, com o nome do que viria a ser o seu protagonista: «Nemo me impune la cessit», lema que significava algo do género  «ninguém ataca sem retaliação». Nemo significa ninguém ou homem algum.
Construindo mentalmente a história do seu romance, Verne aventurava-se em grandes passeios pelas vizinhanças da capital escocesa, indo um dia dar a uma mansão apalaçada onde foi convidado a entrar. O que descobriu no interior, haveria de replicar na descrição do do «Nautilus».
A inspiração para o exterior do submarino vir-lhe-ia da Guerra Civil Americana. Em 1864, quando começara a escrever o romance, os Confederados inventaram um submarino com que pretendiam compensar a relação desfavorável entre as suas forças e os bem mais numerosos exércitos da União. Mas a viagem inaugural saldou-se por uma explosão, que matara 23 tripulantes. Lendo sobre essa vicissitude, Verne transpôs a ideia para o engenho marinho com 48 metros de extensão, cujo nome viria a ser dado ao submarino que chegaria ao Pólo Norte, navegando por baixo da calote de gelos em 1957. Com essa proeza os  norte-americanos procuraram compensar a derrota então conhecida na conquista espacial, quando os soviéticos lançaram a primeira nave espacial, o «Sputnik».
No romance também Nemo não resistiu à tentação de satisfazer a vaidade, decidindo ser o primeiro a pôr uma bandeira no Pólo Sul. Mas essa arrogância saiu-lhe cara, porque, ao regressar da expedição, o «Nautilus» ficou aprisionado debaixo dos gelos. Impossibilitado de renovar as reservas de ar, o submarino ameaçou transformar-se num caixão para os  passageiros e tripulantes. Aronnax chega a desmaiar, quando o oxigénio lhe mingua nos pulmões. O acidente imaginado por Verne viria a repetir-se futuramente em diversas ocasiões, ainda estando nas nossas memórias a tragédia verificada com o submarino russo «Kursk» em 2000,que vitimou mais de uma centena de tripulantes.
Nemo conseguiu, porém, forçar uma passagem e chegar a mar aberto. Prosseguindo a viagem o submarino rumou para norte até às Caraíbas onde combate uma lula gigante. Os homens travam uma luta sem tréguas com o monstro de que saem dificilmente vencedores. Como que para se vingar de experiência tão forte, Nemo decide afundar um dos navios lançados na sua perseguição.
Aronnax testemunha o crime da janela da biblioteca e constata o remorso do capitão, que se fecha no camarote a carpir-se por se ter tornado tão odioso quanto aqueles de quem se decidira apartar. Tocando num órgão, Nemo tenta em vão devolver a animação ao navio fantasma.
Sete meses depois de terem ali sido aprisionados, Aronnax, Conseil e Ned Land compreendem a urgência em se evadirem, quando constatam a rota suicida tomada por Nemo que dirige o «Nautilus» para um enorme remoinho ao largo da Noruega, o maelstrom, do qual escapam miraculosamente. Tragado para as profundezas, o submarino deixa de assombrar os mares de todo o planeta.
Seria o fim do capitão Nemo? Claro que não! Quatro anos depois voltaria como personagem fundamental de «A Ilha Misteriosa», na pele de um príncipe indiano, que luta contra o colonialismo britânico.
Vítima ou vilão? Herói torturado ou anti-herói insano? Príncipe indiano ou revolucionário polaco? Nemo é tudo o que queiramos que ele seja. Mas o sucesso do livro vai mais além: ele mostra que o mar é uma fronteira a ser superada, investigada. E que Verne tinha razão, quando dizia que o fruto da imaginação de um homem acabaria por constituir a realidade construída por outro, seu sucessor.
Quase meio século depois da publicação do romance, muito do que Verne imaginara quanto a engenhos e equipamentos de mergulho já se concretizou. Para descobrirem esse reino das profundezas marinhas, que adivinhara fervilhante de vida.

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